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Brasileiros fazem mapa inédito do universo em 3D

Em parceria com espanhóis, objetivo dos astrônomos é estudar a distribuição de matéria no espaço para desvendar o mistério da expansão de forma acelerada do cosmo nos últimos bilhões de anos de sua existência

RAFAEL GARCIA rafael.garcia@sp.oglobo.com.br

Omapa em 3D do Universo com a maior combinação de detalhamento e amplitude reunida até agora está sendo feito por astrônomos brasileiros e espanhóis. O projeto, que usa um novo telescópio na serra de Javalambre, no sudeste da Espanha, começou a registrar no mês passado o posicionamento e a distância de galáxias para reunir num único catálogo centenas de milhões delas. Batizado com o acrônimo J-PAS (para Javalambre Physics of the Accelerating Universe Astrophysical Survey), a parceria começou a ser desenhada há mais de dez anos. E após atrasos em razão da pandemia de Covid-19 e demora no levantamento de verbas, o projeto começa a sair do papel. O objetivo inicial dos astrônomos é estudar a distribuição de matéria no espaço para tentar entender um mistério que desafia a cosmologia: nos últimos bilhões de anos de existência, o Universo começou a se expandir de forma acelerada, e até agora não se sabe exatamente por quê.

DADOS MAIS PRECISOS

Já se sabe há mais de um século que o universo está se ampliando, mas até recentemente cientistas acreditavam que a força gravitacional atuaria para frear esse crescimento. Ao observar as galáxias mais distantes do planeta, porém, astrônomos descobriram que uma “energia escura” está fazendo a expansão se acelerar. Várias hipóteses foram propostas para explicar que fenômeno está provocando isso, mas elas têm esbarrado em dificuldades. Físicos teóricos precisam de dados mais numerosos e precisos sobre a distribuição de galáxias para testar suas teorias, e é aí que entra o J-PAS.

O Observatório Nacional, do Rio de Janeiro, é uma das instituições que lideram a parceria, em pé de igualdade com o Centro de Estudos de Física do Cosmo de Aragón, da Espanha. O J-PAS já reúne mais de 280 cientistas e colaborações com outros 18 países, além dos dois que o lideram. O astrônomo Renato Dupke, chefe do projeto pela contraparte brasileira, afirma que a iniciativa se tornou possível após cientistas terem conseguido projetar um telescópio com 56 diferentes filtros ópticos capazes de determinar distância de objetos astronômicos decompondo sua luz. —Esse projeto se tornou viável com a fabricação atual de filtros ópticos de baixa largura e muito precisos, não a ponto de obter espectros de qualidade fantástica, mas bons o suficiente para determinar a posição de galáxias super distantes e revelar o perfil de composição química delas —diz o cientista. A ideia do projeto não é obter uma uma visão de “teleobjetiva”, mas usar uma “grande angular”para colher a imagem de muitas galáxias. Como o objetivo do JPAS é gerar dados para teorias cosmológicas sobre a origem e evolução do Universo, a quantidade é importante para que se possa tirar conclusões estatísticas. O J-PAS opera com um telescópio de porte médiogrande para os padrões da astronomia moderna, com um espelho côncavo de 2,5 metros de diâmetro que atua como “lente de aumento”do aparelho. O que diferencia o equipamento usado no projeto, porém, além dos filtros, é a câmera panorâmica de 1,2 milhão de pixels, a segunda maior do planeta, desenvolvida no Brasil.

O cosmólogo Raul Abramo, da Universidade de São Paulo, outro integrante do J-PAS, explica que, apesar de o projeto ter sido projetado para estudar a energia escura, ele servirá a uma diversidade de outros propósitos em cosmologia e astrofísica.

O cientista está confiante de que o J-PAS é hoje o melhor telescópio do mundo para detectar, por exemplo, 'quasares', que são buracos negros supermaciços no interior de galáxias. A gravidade desses objetos cria uma movimentação tão intensa de gás e matéria que os torna os pontos mais brilhantes do Universo. — Paradoxalmente, porém, eles são alguns dos objetos mais difíceis de detectar — explica. — O problema é que quando um telescópio vê um quasar a 10 bilhões de anos-luz de distância, ele pode se parecer com uma estrela que está aqui do lado, na nossa galáxia.

IDADE DAS GALÁXIAS

O que o J-PAS conseguirá fazer com seus filtros é diferenciar milhares dessas fontes de luz para identificar quais são efetivamente quasares ou outros objetos interessantes. Como a luz tem uma velocidade finita, quanto mais longe um telescópio observa, mais antigas são as imagens que capta. E quasares, diz Abramo, estão desafiando teorias sobre a origem do Universo, com idade estimada em 13,8 bilhões de anos. —Alguns telescópios detectaram quasares de uma época de quando o Universo tinha menos de 1 bilhão de anos. Ninguém sabe como um objeto com 1 bilhão de vezes a massa do Sol pode ter se formado tão cedo, e isso tem implicação para as teorias —diz. Tirar o J-PAS do papel não foi fácil. A verba saiu de dezenas de projetos de pesquisa, que juntos somaram cerca de US$ 7 milhões no Brasil. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação entrou com 70% do valor e as fundações de amparo à pesquisa de São Paulo e do Rio de Janeiro somaram os outros 30%. A frente espanhola contou com apoio de mesma grandeza, vindo de agências públicas da Espanha e da União Europeia.

O Brasil participa do projeto como protagonista. O país ganhou peso tanto pelos recursos investidos quanto pela participação dos cientistas, que desenvolveram boa parte da tecnologia aplicada no telescópio e, sobretudo, na câmera. Dupke e Abramo afirmam que o mapeamento do J-PAS pode se estender por até sete anos, mas em um ano já será possível tirar dos dados recolhidos resultados de pesquisa interessantes e produzir ciência inovadora.

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2023-11-05T07:00:00.0000000Z

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