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Alta turbinada por emprego e transferência de renda

Com expansão há nove trimestres seguidos, consumo das famílias foi influenciado também pela inflação menor, que abriu espaço no orçamento, e pelo aumento real do salário mínimo. Impulsos não devem se repetir no ano que vem

CAROLINA NALIN E VINICIUS NEDER economia@oglobo.com.br RIO E SÃO PAULO

Oconsumo das famílias, que responde por cerca de 60% do PIB, surpreendeu positivamente os analistas. Com alta de 1,1% no terceiro trimestre frente aos três meses anteriores, acelerou a expansão: entre maio e junho, avançara 0,9%. Para a professora da Coppead e do Instituto de Economia do UFRJ, Margarida Gutierrez, o consumo das famílias foi “a vedete do PIB”:

—A expansão do consumo das famílias tem a ver com a redução dos juros, o projeto Desenrola (de renegociação de dívidas do governo), o mercado de trabalho resiliente, o estímulo ao consumo e as políticas de valorização do salário mínimo e de transferência de renda. O consumo foi a vedete do PIB.

Na comparação com o trimestre anterior, o consumo das famílias cresce há nove trimestres seguidos. No ano, acumula avanço de 3,4%. Segundo Juliana Trece, pesquisadora do FGV Ibre, a alta do consumo das famílias surpreendeu mais os especialistas do que o desvio observado nas projeções para o índice geral, que confirmou a expectativa de desaceleração da atividade econômica:

— O mercado de trabalho aquecido neste ano, junto com aumento real do salário mínimo, contribuiu para um consumo mais forte.

Apesar da sustentação do consumo das famílias em níveis mais elevados, Juliana pondera que são os itens não duráveis e de menor valor agregado que têm impulsionado essa dinâmica. Segundo a economista, que coordena a pesquisa “Monitor do PIB” do FGV Ibre, produtos alimentícios e serviços de saúde privada, turismo e bares e restaurantes estão entre os motores do consumo este ano. Já o comércio de carros, sensível às taxas de juros, ficou em segundo plano.

SALÁRIOS MAIS ALTOS

O Grupo de Conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) já projetava crescimento econômico de 3,3% este ano, com avanço de 0,3% no PIB do terceiro trimestre ante o segundo. Boa parte da projeção se ancorava num ritmo mais forte do consumo.

—Houve uma recomposição salarial, teve aumento do salário dos servidores. Os salários (em geral) estão subindo acima da inflação — afirmou Julia Braga, coordenadora de Acompanhamento e Estudos da Conjuntura do Ipea, lembrando que o alívio na inflação, com destaque para a redução nos preços dos alimentos consumidos no domicílio, favorece o consumo de massa, especialmente das famílias mais pobres.

Pelas contas do instituto, será a primeira vez desde 2017 que haverá deflação de alimentos.

Para a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, esperava-se um arrefecimento nos gastos das famílias contribuindo para a freada da economia, o que não ocorreu.

— Vemos uma resiliência muito grande do consumo das famílias. Nos últimos três trimestres, ele cresceu em torno de 1% — afirmou Alessandra.

Na visão da economista, os fatores que puxaram o ímpeto do crescimento do consumo das famílias, listados pelo IBGE, já estavam no cenário de analistas, mas, talvez, o impacto positivo do alívio na inflação tenha sido subestimado. Especialmente pela forma como a inflação arrefeceu, com redução nos preços médios da alimentação no domicílio.

— Muitas vezes, a gente não capta muito bem (o alívio da inflação) com a modelagem (os cálculos econômicos), mas tem a ver com o aumento do poder de compra das famílias — disse Alessandra.

A arquivista Verônica Ismael e seu marido, André Silva, ao planejar as finanças da família para o fim do ano, previam comprar uma sanfona usada para as aulas de música do filho mais velho, de 8 anos, um gasto que vinham adiando desde o começo de 2023. Uma sanfona pode custar entre R$ 7 mil e R$ 8 mil. Mas outras despesas acabaram dificultando a compra.

—Eu me planejava para não ter outras despesas, mas acabei gastando uns R$ 3 mil a R$ 3.500 a mais do que estava esperando —contou Verônica.

A família teve que comprar roupas, trocar o microondas que já estava sem conserto e um celular.

— Vai chegando o fim do ano e acabamos gastando mais, renovando a casa, você percebe que precisa de coisas novas —comentou ela.

CRESCIMENTO MENOR EM 2024

Margarida Gutierrez afirma que o crescimento do PIB no ano que vem deve diminuir de 3% para entre 1,5% e 2%. Para ela, os fortes estímulos fiscais não devem se repetir. Os gastos do governo cresceram quase 8% acima da inflação, e o mercado de trabalho começa a exibir sinais de desaceleração.

—Temos que ver também como ficará a inflação. Este ano, houve uma grande desinflação de custos, principalmente agropecuários. Mesmo com a inflação dos serviços comportada, ela está rodando em torno de 5% e pesa 35% do IPCA. Ano que vem, esses fatores não vão estar presentes — afirmou Margarida. (Colaboraram Cássia Almeida, Luana Reis, estagiária sob supervisão de Danielle Nogueira, e João Sorima Neto)

“Vemos uma resiliência muito grande do consumo das famílias. Nos últimos três trimestres, ele cresceu em torno de 1%”

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Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria

Economia

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2023-12-06T08:00:00.0000000Z

2023-12-06T08:00:00.0000000Z

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