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Brasil tem 1,9 milhão exercendo trabalho infantil

De 2019 para 2022 houve alta de 7% na faixa entre 5 e 17 anos. Pandemia é causa determinante

CAROLINA NALIN, ELIANE OLIVEIRA, LUANA REIS* E LUCIANA CASEMIRO economia@oglobo.com.br (*Estagiária, sob supervisão de Danielle Nogueira)

Pesquisa do IBGE mostra que país tem 1,9 milhão de crianças e adolescentes trabalhando, ou 4,9% da população nessa faixa etária, sendo a metade em atividade de risco. Houve aumento de 7% de 2019 para 2022, com ênfase em jovens de 16 e 17 anos. Pesquisadora atribui ao efeito da pandemia, que levou filhos a trabalhar para reforçar a renda familiar.

Otrabalho infantil voltou a crescer no país. Do total de 38,3 milhões de crianças e adolescentes no Brasil em 2022, 1,9 milhão exercia algum tipo de trabalho fora das condições permitidas por lei. No ano passado, 4,9% das crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhavam, o que fez o país retornar ao patamar de 2017, de acordo com dados da Pnad Contínua Trabalho de Crianças e Adolescentes, divulgada ontem pelo IBGE.

A pesquisa do IBGE tem divulgação anual, mas foi interrompida a partir de 2020 por causa da pandemia e retomada no ano passado. Entre 2019 e 2022, apesar de a população de 5 a 17 anos ter diminuído 1,4% em razão do envelhecimento da população, o trabalho infantil aumentou 7%.

A lei brasileira proíbe qualquer forma de trabalho até os 13 anos. A idade mínima é de 16 anos, mas com uma série de restrições e parâmetros. Entre 14 e 15 anos, o adolescente só pode exercer atividades na condição de jovem aprendiz.

O levantamento mostra que houve aumento do trabalho infantil em todas as faixas etárias, mas foi ainda mais acentuado entre jovens de 16 a 17 anos, o que é visto por especialistas como um sinal de empobrecimento das famílias após a pandemia (leia mais abaixo).

Esse grupo chegou a 988 mil pessoas, o equivalente a 52,5% do total. Os adolescentes de 14 e 15 anos respondem por uma fatia de 23,6%. Na faixa de 5 a 13 anos são 23,9%.

Na avaliação de Adriana Beringuy, coordenadora de pesquisas domiciliares do IBGE, a pandemia pode ter aumentado a vulnerabilidade das famílias brasileiras e ter levado mais jovens ao trabalho infantil. O diretor do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para o Brasil, Vinicius Pinheiro, concorda que este foi um dos fatores que levaram ao aumento do trabalho infantil e diz que o alto nível de evasão escolar pode estar relacionado.

—A pandemia provocou a tempestade perfeita — afirmou Pinheiro, que defende um esforço conjunto. —Ninguém vai destruir essa chaga do século passado sozinho.

A OIT classifica trabalho infantil como “aquele que é perigoso e prejudicial para a saúde e o desenvolvimento mental, físico, social ou moral das crianças e que interfere na sua escolarização”.

Laís Abramo, titular da Secretaria Nacional de Cuidados e Família, disse que é muito comumencontrartrabalhoinfantil dentro de casa e defendeu uma política de cuidados com a expansão de creches e escolas em tempo integral.

A pesquisa traçou um retrato do trabalho infantil. A maioria das crianças e adolescentes era do sexo masculino (65,1%). Pretos e pardos representavam 66,3% do total. E o rendimento das meninas em situação de trabalho infantil somava R$ 639, o equivalente a 84,4% do rendimento dos meninos na mesma condição.

—A pobreza no Brasil é infantil. Se você olhar para uma criança negra, a chance de ela ser pobre é ainda maior. Isso reforça o quadro de desigualdade no presente e no futuro. Pois se não houver os incentivos certos do Estado e as crianças não tiverem oportunidade de deixar o trabalho e estudar, esse ciclo de pobreza se perpetua —diz Marcelo Neri, diretor do FGV Social.

O estudo mostrou ainda que 756 mil crianças e adolescentes que estavam no mercado de trabalho se encontravam em condições consideradas perigosas, ou seja, que oferecem riscos à saúde e integridade física. São crianças e adolescentes que estão em ambientes que os expõem a situações imorais ou de riscos de violência, doenças ou acidentes irreversíveis.

Essas atividades estão previstas na lista Trabalho Infantil Perigoso (TIP), do governo federal. São cerca de 93 trabalhos enumerados como prejudiciais à saúde e à moralidade, incluindo atividades como operação de tratores e máquinas agrícolas até comércio ambulante, com riscos de violência e outros acidentes.

Segundo a pesquisa, 158 mil crianças de 5 a 13 anos se enquadravam no trabalho infantil perigoso. Nesta faixa, não se pode trabalhar sob pretexto algum perante a lei.

K.A., de 16 anos, trabalha como vendedor ambulante em João Pessoa, na Paraíba. Desde os cinco, acompanha os pais (também ambulantes) em festas e eventos na cidade nos fins de semana. Aos 6 anos, começou a ajudá-los tanto nas compras e na manutenção da barraca, quanto nas festas, onde vendem bebidas e lanches.

— Segunda-feira é bem cansativo porque eu chego em casa por volta das 4h da manhã das festas, já que temos que desmontar a barraca e organizar tudo, e tenho que levantar às 6h para ir para a aula. Nos dias de praia, acaba por volta das 21h, pelo menos. E quando tem festa na quinta-feira, eu volto mais cedo para casa, umas 2h.

A procuradora Luísa Carvalho Rodrigues, que conduz a Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Infantil do Ministério Público do Trabalho, avalia que, além da crise socioeconômica agravada pela pandemia, retrocessos na política de combate a esta prática explicam a piora.

— A Comissão Nacional de Erradicação de Trabalho Infantil foi extinta em 2019. Em 2020, foi recriada sem autonomia e desarticulada.

“A pobreza no Brasil é infantil. Se você olhar para uma criança negra, a chance de ela ser pobre é ainda maior. Isso reforça o quadro de desigualdade no presente e no futuro. Pois se não houver os incentivos certos do Estado e as crianças não tiverem oportunidade de deixar o trabalho e estudar, esse ciclo de pobreza se perpetua”

Marcelo Neri, diretor do FGV Social

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2023-12-21T08:00:00.0000000Z

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