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Eleição argentina se acirra em reta final imprevisível

Candidato de extrema direita capta votos de setores argentinos que se sentem excluídos por Buenos Aires

JANAÍNA FIGUEIREDO janaina.figueiredo@oglobo.com.br BUENOS AIRES

Massa e Bullrich buscam reduzir abstenção para evitar vitória em 1º turno de Milei. Votação é no domingo.

Acinco dias das eleições presidenciais argentinas, os adversários do grande favorito, o candidato da extrema direita, Javier Milei, o mais votado nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) realizadas em 13 de agosto, vivem dias de desespero, na tentativa de garantir uma vaga num eventual segundo turno, previsto para 19 de novembro. Os resultados das primárias mostraram que Milei é forte no interior da Argentina, entre os que se sentem “excluídos” pelas decisões tomadas na capital, Buenos Aires. No total, 35 milhões de eleitores estão aptos para irem às urnas, e um dos grandes objetivos dos rivais do líder do partido A Liberdade Avança, o ministro da Economia, Sergio Massa, e a ex-ministra Patricia Bullrich, candidata da aliança opositora Juntosp ela Mudança,é reduzira abstenção de 30%, registrada nas primárias.

Recentes pesquisas mostraram um leve crescimento de Bullrich, o que representa uma ameaça para o candidato peronista, que até agora se considerava o rival natural de Milei num eventual segundo turno. Mas com uma inflação galopante —que somente em setembro atingiu 12,7% —e o dólar acima dos mil pesos, o ministro e candidato está em baixa. A Argentina apresenta hoje duas grandes incógnitas: as reais chances de Milei vencer no primeiro turno e, se a força do candidato da extrema direita não for suficiente, quem será seu adversário em 19 de novembro.

Nas Paso, o economista e admirador dos presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump ficou em primeiro lugar em 16 dos 24 distritos eleitorais do país, em alguns casos, com mais de 50% dos votos. Milei venceu em províncias do Norte argentino como Salta, que não visitou sequer uma vez durante a campanha. Na província de Jujuy, também na região Norte, o candidato do partido A Liberdade Avança, fundada antes da campanha legislativa de 2021, foi o mais votado em pequenos vilarejos aos quais não chegam conexões de internet, 4G, e sequer sinal de telefonia móvel.

ESQUECIDOS

Por esses e outros motivos, analistas locais ouvidos pelo GLOBO afirmam que o voto por Milei é, essencialmente, um ato de rejeição aos partidos tradicionais —que o candidato chama de casta política — e de setores da sociedade, sobretudo do interior da Argentina, que se sentem marginalizados da agenda nacional, decidida na capital. A aliança peronista União pela Pátria, ficou em primeiro lugar nas províncias de Buenos Aires, Formosa, Chaco e Catamarca. Já a Juntos pela Mudança venceu apenas em Entre Rios, Jujuy e na capital do país.

—Nos últimos anos, a política argentina se concentrou em Buenos Aires. Desde os governos dos peronistas Carlos Menem (1989-1999) e Néstor Kirchner (2003-2007), das províncias de La Rioja e Santa Cruz, respectivamente, as lideranças mais fortes saíram da capital e da província de Buenos Aires. Milei é da capital, mas conseguiu se posicionar como uma liderança que, por não pertencer aos partidos tradicionais, representa setores do interior que se sentem esquecidos — explica Carlos Fara, diretor da Fara e Associados.

Os números das Paso —nas quais são eleitos os candidatos dos pleitos presidencial e legislativo — podem variar no primeiro turno, mas analistas e recentes pesquisas indicam que Milei continua sendo favorito. Para alguns, o candidato da extrema direita tem chances de garantir a vitória no dia 22, sem a necessadidade do segundo turno — caso tenha 45% dos votos válidos ou 40%, com diferença de 10 pontos percentuais sobre o segundo colocado.

Nas primárias, a onda a favor de Milei arrasou nas províncias de Salta, Misiones, San Luis, La Pampa, Santa Cruz, Jujuy, Mendoza, Córdoba, Tucumán, La Rioja, San Juan, Neuquén, Chubut, Río Negro, Terra do Fogo e Santa Fe. Na capital do país e na província de Buenos Aires, onde vive um terço do eleitorado nacional, o candidato da extrema direita ficou em terceiro lugar nas primárias de agosto.

VOTO CONTRA POLÍTICOS

O voto por Milei, na verdade, acrescenta Fara, não foi por Milei, e sim contra a política tradicional e centralizada em Buenos Aires e na província de Buenos Aires.

— Existe um enorme país que não se sente ouvido e que vê em Milei uma esperança. O candidato conseguiu identificar o ambiente de exaustão social e se colocar como o único que pode tirar a Argentina do buraco —afirma Fara.

O fenômeno das redes sociais e seu impacto na política explica parte do bom resultado obtido por Milei —sobretudo no eleitorado mais jovem —, mas é insuficiente para entender porque em cidadezinhas da província de Jujuy, nas quais Milei obteve mais de 60% dos votos, comunidades indígenas votaram a favor do candidato da extrema direita.

Com a reforma constitucional de 1994, a cidade de Buenos Aires, centro do poder político e econômico nacional, passou a ser autônoma. Até então, seu prefeito —que passou a chamar-se chefe de governo — era escolhido pelo presidente. Na opinião de Patricio Talavera, consultor e professor da Universidade Nacional de Buenos Aires (UBA), esta mudança contaminou a política nacional, e a concentração de poder na capital alimentou um clima de descontentamento no interior que alcançou seu auge nesta eleição.

— As províncias foram criando suas próprias dinâmicas políticas, cada vez mais desconectadas de Buenos Aires. Milei se instala como favorito nesse contexto, e capitalizando o fracasso dos partidos tradicionais —explica o professor da UBA, que afirma que os partidos tradicionais argentinos subestimaram a capacidade de Milei de vencer uma eleição nacional sem estrutura partidária.

A capital argentina, que tem a mesma população desde 1947, estimada em pouco mais de 3 milhões de pessoas, continua sendo um território antiperonista, mas que não se deixou arrastar pela onda a favor de Milei e deve eleger um novo chefe de governo da aliança Juntos pela Mudança — Jorge Macri, primo do ex-presidente. Já a província de Buenos Aires se mantém como bastião do peronismo e do kirchnerismo, na maioria de seus 135 municípios. Em ambos distritos, Milei ficou em terceiro lugar, mesma posição que conquistou na primeira eleição de sua breve carreira política, as legislativas de 2021.

Observando o mapa eleitoral pós primárias ficam claras duas coisas: Milei conseguiu captar votos peronistas e antiperonistas, e conseguiu, acima de tudo , ser visto como o representante de setores que se sentem abandonados pela política tradicional, considerada por milhares de argentinos como a responsável por 80 anos de decadência.

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2023-10-17T07:00:00.0000000Z

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