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Rio vai à Justiça contra juros da dívida com a União, diz Castro

Estado concorda em pagar, além do principal, só valores relativos a eventuais parcelas atrasadas

FELIPE GRINBERG E SELMA SCHMIDT granderio@oglobo.com.br

O governador do Rio, Cláudio Castro, anunciou que prepara uma ação judicial para que o estado não pague mais juros da dívida com a União, cujo passivo total está hoje em R$ 190 bilhões. O argumento principal, explicou, é que o governo federal não teria “capacidade jurídica” de cobrar juros por não ser uma instituição financeira. Pela tese, o Rio pagaria, além do valor principal da dívida, apenas os chamados juros de mora, relativos a eventuais parcelas atrasadas. Num balanço de 2023, Castro elegeu a segurança como principal desafio e afirmou temer que haja desabamento na estação de metrô inacabada da Gávea, mas admitiu não haver estudos prevendo risco iminente.

Ogovernador Cláudio Castro fez ontem um balanço do ano e projeções para 2024 durante um almoço com jornalistas. Anunciou que ingressará na Justiça para não pagar os juros da dívida pública do estado com a União, disse que seu maior desafio é resolver a questão da segurança e manifestou temor de que a estação inacabada do metrô da Gávea desabe, apesar de estudos apontarem não haver problemas estruturais.

Desde 2017, o Rio está no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que foi alterado em 2022 após negociações entre o Palácio Guanabara e o governo federal. Pelo novo acordo, o estado começou a pagar, em agosto de 2022 de forma escalonada, sua dívida —uma bola de neve que soma hoje R$ 189,8 bilhões, segundo a Secretaria de Fazenda. Este ano, devem ser desembolsados R$ 4,86 bilhões.

—Vamos entrar com uma ação judicial para que o Rio não tenha uma megadívida. Esse será o grande debate que o Rio cobrará duramente. O déficit de 2024 é, basicamente, pagamento de dívida. Tem cinco anos que o Rio não contrai empréstimos. Temos a tese de que a União não tem capacidade jurídica de cobrança de juros. Ela não é uma instituição financeira, podendo só cobrar mora (taxa cobrada quando há atraso no pagamento da dívida). Não vou fazer maluquice. Estou jogando nas quatro linhas. Já conversei com cinco ministros do Supremo, e todos concordaram com a tese — afirmou Castro.

JUROS DE R$ 4,1 BILHÕES

De acordo com o projeto de lei orçamentária em tramitação na Assembleia Legislativa, num cenário de queda de arrecadação, o déficit projetado para o estado é de R$ 8,5 bilhões em 2024. A previsão é, ano que vem, pagar R$ 6,7 bilhões em dívidas com a União, sendo R$ 4,1 bilhões em juros, R$ 2,6 bilhões em amortização (parcela da dívida) e R$ 2,6 milhões em encargos, diz a Secretaria de Fazenda.

Castro deve se encontrar com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nos próximos três meses para discutir alterações no regime. O governador garantiu ainda que não haverá atraso de salários de servidores, o que chegou a ser cogitado em outubro.

Coordenador executivo do Centro de Gestão de Políticas do Insper, André Luiz Marques vê como uma medida paliativa a judicialização para suspender o pagamento dos juros da dívida pública. Para ele, o que o estado precisa é de uma solução definitiva para seus problemas financeiros:

—Contar com a sorte não é saída. O Judiciário pode postergar o pagamento da dívida, como já manteve o Rio no Regime de Recuperação Fiscal até a assinatura do último acordo. Mas será que o estado conseguirá outras decisões favoráveis? O Rio está aguardando uma solução definitiva desde que entrou no Regime de Recuperação. São necessárias medidas estruturantes, rever o tamanho do estado, as carreiras, os benefícios.

Especialista em contas públicas, o economista Raul Velloso não vê como uma possibilidade a União concordar com ajustes que incluam nova suspensão do pagamento de dívidas ou a interrupção da cobrança de juros. Chama a atenção para a situação de Minas Gerais, também em RRF, que deverá ter o pagamento de sua dívida retomado no próximo dia 20, conforme prevê o ajuste firmado ainda no governo passado.

—O que o governo federal conceder para o Rio terá que dar para outros estados, inclusive Minas —pondera.

Uma razão, segundo Velloso, para as contas dos estados não fecharem é o déficit previdenciário, que indiretamente acaba impedindo que honrem suas dívidas.

— A Previdência tem que ser parte da discussão — acrescenta.

NOVOS BATALHÕES

Quanto ao que diz ser seu maior desafio, Castro alegou que mudou de ideia ao recriar a Secretaria de Segurança. Sua intenção, disse ele, foi a de aumentar a integração entre as forças e ouvir conselhos sobre o retorno da pasta: “A política é viva, não pode todo mundo falando e você ser arrogante”, argumentou. Apesar da nova estrutura, as polícias Civil e Militar devem manter o status de secretaria.

— Não tenho dúvida de que meu maior desafio é segurança. Por que mudei de ideia sobre a criação da Secretaria de Segurança? Não concordo com aquele modelo. Quando cheguei, tinha 800 cargos na secretaria. A proposta inicial era um conselho de segurança, que acabou não tendo essa funcionalidade. A secretaria terá no máximo 80 cargos. E terá o fortalecimento na integração. Quem fazia essa integração era eu. Então, deleguei ao Victor Cesar (secretário de Segurança) —disse Castro.

O governador anunciou ainda a criação de novas unidades na PM:

—Vamos criar batalhões, para evitar aqueles que atendem um milhão de pessoas. Teremos novos em São Gonçalo, Nova Iguaçu e Zona Norte do Rio. Talvez mais dois na Zona Oeste, sendo um entre a Barra da Tijuca e Jacarepaguá. O estudo está pronto e em breve será apresentado.

As mudanças anunciadas são vistas com preocupação pelo antropólogo Robson Rodrigues, ex-chefe do Estado-Maior da PM fluminense. Ele acredita que manter as três secretarias na área de Segurança pode atrapalhar o poder de decisão e a governança, quando for preciso. Ele ainda lembra que criar novos batalhões tem um custo com a burocracia, que pode reduzir o número de policiais nas ruas.

— Tradicionalmente nós copiamos o modelo do Exército. É muito burocrático. Fortalezas não condizem com uma noção de polícia moderna, mais próxima e ágil. Ao criar o batalhão, é preciso implantar as seções, por exemplo, de pessoal, inteligência, planejamento, logística e comunicação — explicou Rodrigues.

CRÍTICAS: TCE, MP E TJ

Sobre a estação inacabada do metrô na Gávea, na Zona Sul do Rio, Castro lembrou do acidente no metrô de São Paulo em 2022, quando uma cratera se abriu na Marginal Tietê durante as obras do modal. O governador fez críticas aos órgãos de controle, dizendo que já tentou licitar por duas vezes as obras no local, paralisadas desde 2015, e que busca negociar a conclusão do projeto.

No mês passado, o governo fechou um acordo com a concessionária MetrôRio que abriu caminho para o retorno das obras. Em troca do investimento de até R$ 600 milhões no projeto, o tempo de concessão seria ampliado em dez anos (até 2048). As bases dessa negociação terão que ser aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e homologado pela Justiça, com a intermediação do Ministério Público (MP) do estado.

—Meu pavor é aquela água embaixo da PUC. Se cair, a culpa é de vocês, Tribunal de Justiça, Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado. O estado já tentou licitar duas vezes. E estou tentando fazer acordo. Porque se aquele troço cai, vai matar gente ali, e estou muito preocupado. Para o processo jurídico aqui, joga a briga para lá. Mas não indexa isso à vida de milhares de pessoas. O processo judicial não é mais importante do que a vida das pessoas. Se tiver que perder dinheiro, perde, cobra depois. Já tem exemplos graves. Promotor é apegado em seu processo jurídico e não deixa a obra andar —criticou Castro.

Procurados, PUC, TJ e TCE não responderam. O MP disse que não se pronunciará sobre a declaração do governador.

Já para moradores da Gávea, a fala de Cláudio Castro preocupa.

— Tivemos uma reunião em setembro na Secretaria de Transporte quando foi criado um grupo de estudos e indicado que as obras seriam retomadas em janeiro. Vamos cobrar dos órgãos públicos e do governador. A cidade não suporta mais tantos carros —diz o presidente da Associação de Moradores da Gávea (Ama-Gávea), René Hasenclever.

A SuperVia também foi incluída no balanço do governador, que avaliou como ruim o serviço prestado pela empresa que opera os trens suburbanos. Segundo Castro, a Procuradoria Geral do Estado tem trabalhado para um novo modelo de negócios, e que uma das possibilidades seria criar uma nova empresa pública para contratar os serviços de transporte e que tenha capacidade de investimento. Nos últimos anos, o governador teve embates públicos com a concessionária.

— Os trens estão sucateados, acabaram com a manutenção, inclusive de trilhos. (O trem) Tem que ir a 20km/h porque o maquinista tem que andar com a cabeça para fora vendo sinal — disse Castro.

“Vamos entrar com uma ação judicial para que o Rio não tenha uma megadívida. Temos a tese de que a União não tem capacidade jurídica de cobrança de juros.

Ela não é uma instituição financeira, podendo só cobrar mora”

“Meu pavor é aquela água embaixo da PUC. Se cair, a culpa é de vocês, TJ, MPRJ e TCE”

_ Cláudio Castro, governador

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