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Derrotas expõem base frágil do governo Lula

Congresso derrota governo mais uma vez no marco temporal, com apoio da base e até voto de ministro

politica@oglobo.com.br BRASÍLIA CONGRESSO DERRUBA VETO À DESONERAÇÃO, NA PÁGINA 13

Com amplo apoio de partidos da base e o voto até do ministro Carlos Fávaro, da Agricultura, que retomou por dias o mandato de senador, o Congresso derrubou o veto de Lula à criação do marco temporal das terras indígenas, em revés que se soma a uma longa lista e ilustra a fragilidade da base aliada neste ano.

GABRIEL SABÓIA E DIMITRIUS DANTAS

OCongresso impôs ontem uma nova derrota ao governo e derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto que cria um marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A rejeição à decisão do Executivo foi tomada com amplo apoio de partidos da base e teve até voto de um ministro, Carlos Fávaro (Agricultura), que retomou temporariamente o mandato de senador para participar de votações. O resultado é mais um capítulo de um ano turbulento na relação com o Parlamento, em que o Palácio do Planalto sofreu outro revés ontem, com a extensão da desoneração da folha de pagamento de 17 setores até 2027.

Entre os deputados, houve 321 votos a favor da derrubada do veto do marco temporal e 137 contra. No Senado, o placar foi de 53 a 19 pela rejeição. Estabelecer a data de promulgação da Constituição de 1988 como linha de corte para a demarcação de terras indígenas é uma tese que já foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que vai gerar um novo desdobramento jurídico. Ontem, PT e PSOL anunciaram que vão acionar a Corte pedindo que a lei seja declarada inválida, e o Ministério dos Povos Indígenas informou que vai solicitar à Advocacia-Geral da União (AGU) que também ingresse com uma ação. Ao vetar a norma, Lula afirmou que havia “vício de inconstitucionalidade” e que a iniciativa “usurpava direitos originários”.

—É uma decisão que vai na contramão de acordos climáticos firmados pelo governo Lula, é contra a nossa política ambiental e deixa os povos indígenas em situação de total vulnerabilidade. Vamos lutar até o fim —disse a ministra Sonia Guajajara (Povos Indígenas).

BASE SE UNE À OPOSIÇÃO

Defensores do marco temporal, por outro lado, afirmam que estipular uma data cria segurança jurídica e citam o risco de que, sem a norma, propriedades privadas estabelecidas sejam perdidas. A bancada ruralista trabalha inclusive com a hipótese de aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o marco temporal, caso o STF decida que a lei aprovada fere o texto constitucional. A aprovação do texto no Senado, no fim de setembro, ocorreu de maneira simultânea ao julgamento na Corte, o que gerou fricções entre os Poderes.

O Congresso também derrubou o veto ao dispositivo que abre brecha para o garimpo, expansão de malha viária e instalação de equipamentos milita

WALDEMIR BARRETO/AGÊNCIA SENADO res, sem consulta às comunidades tradicionais ou ao órgão responsável. Outros itens do texto tiveram o veto mantido, como a permissão para o plantio de transgênicos em terras indígenas; a flexibilização para o contato com povos isolados; e a possibilidade de reapropriação de terras demarcadas pela União, no caso de descaracterização cultural. Houve protestos durante a votação, e a Polícia Legislativa reforçou o efetivo.

A sessão foi marcada por divergências até mesmo entre deputadas indígenas. Silvia Waiãpi (PL-AP) opinou pela derrubada do veto.

— O Brasil não pode ser refém de uma ideologia. O Congresso já deliberou sobre este tema, é uma decisão do Parlamento e não podemos aturar intromissões. Os povos originários querem respeito.

Já a governista Célia Xakriabá (PSOL-MG) foi na direção oposta:

— Estão tentando apagar a nossa memória, as tradições e retirar as terras. O veto traz segurança aos povos originários.

Segundo o levantamento feito pelo GLOBO, na Câmara, os partidos de Centrão e do centro com cargos na Esplanada dos Ministérios deram apenas 24 votos para o governo e 183 contrários. Essa conta leva em consideração União Brasil, Republicanos, PSD, PP e MDB. Somadas, estas siglas ocupam 11 das 38 pastas de Lula.

Já no Senado, União, Republicanos e PP foram unânimes na derrubada do veto. MDB e PSD, entretanto, se dividiram. No MDB, quatro parlamentares votaram pela rejeição, e três foram contra.

Já no PSD, houve oito votos contra e cinco a favor — um deles foi o de Fávaro, que voltou provisoriamente ao Senado. Por sua relação com o agronegócio, ele já havia afirmado a interlocutores sobre a sua posição. O ministro Renan Filho (Transportes), do MDB, se posicionou pela manutenção do veto.

Esta foi mais uma derrota do governo no Congresso nesta semana. Anteontem, três dias após o governo retirar a urgência do projeto de lei que traça

as diretrizes do Novo Ensino Médio, em uma tentativa de empurrar os debates e a votação sobre o tema para 2024, a Câmara aprovou um novo requerimento de urgência, pautado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PL-AL), com objetivo de fazer com que a matéria seja votada ainda neste ano. O governo é contra as mudanças feitas pelo relator, e a expectativa é a iniciativa ir a plenário na semana que vem.

Em outubro, o Senado rejeitou a indicação de Lula para a chefia da Defensoria Pública da União (DPU). O defensor Igor Roque sofreu forte pressão da ala conservadora do Senado, que o associou à organização de um seminário sobre o aborto na Defensoria. Lula precisou enviar um novo nome, que foi aprovado.

No primeiro semestre, o governo tentou fazer mudanças via decreto no marco do saneamento, mas o Congresso reverteu as alterações. A aprovação da Medida Provisória que reestruturou os ministérios ocorreu no limite do prazo, com risco de que voltasse a vigorar a estrutura deixada pela gestão de Jair Bolsonaro. Mesmo com o aval, houve derrotas, como o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente, de Marina Silva.

HADDAD TEM VITÓRIAS

Por outro lado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conseguiu implementar parte de sua agenda, com medidas de reestruturação fiscal e de arrecadação. O novo arcabouço fiscal substituiu o teto de gastos, e um veto derrubado pelo Congresso ontem não altera o cerne do projeto: a proibição de a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de cada ano excluir despesas do cálculo da meta fiscal. Lula tinha barrado o item com o objetivo de ter mais espaço para investimentos. Também foi aprovada a volta do voto de desempate a favor da União no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) — ontem, um veto de Lula ao texto também foi rejeitado, mas sem alterar o ponto principal. Houve ainda a aprovação da Reforma Tributária, que pode ter a última fase de votação hoje na Câmara.

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2023-12-15T08:00:00.0000000Z

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