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Mais de cem palestinos são mortos ao buscar ajuda humanitária

Em meio a caos e pisoteamento, Hamas e testemunhas acusam ataques a tiros de Israel, que nega ação. ONU e EUA pedem investigação

Num momento em que cresciam as pressões internacionais por um cessar-fogo, a guerra entre Israel e o Hamas teve na madrugada de ontem um de seus episódios mais dramáticos para a população palestina em Gaza. Cento e doze pessoas morreram durante um tumulto caótico na chegada de caminhões de ajuda humanitária que levavam comida e água para a população no norte do enclave. De acordo com o Hamas, com a Autoridade Nacional Palestina (que controla a Cisjordânia) e com testemunhas, militares israelenses atiraram em civis que rodearam os veículos. Israel declarou que as mortes foram causadas por atropelamentos e pisoteamento no corre-corre, e que seus agentes usaram armas apenas para tentar controlar a confusão, sem abrir fogo contra as pessoas. A ONU e diversos países pediram investigação do caso, que pode fazer aumentar a pressão por uma trégua. O presidente Joe Biden, contudo, avaliou que o episódio pode atrapalhar as negociações por cessar-fogo.

Autoridades palestinas acusaram militares de Israel de matarem e causarem a morte de mais de cem pessoas ao abrirem fogo em meio a uma entrega caótica de ajuda humanitária na Faixa de Gaza na madrugada de ontem, em um incidente confuso que levou à condenação internacional e a um pedido de investigação dos EUA e da ONU. Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo grupo terrorista Hamas, ao menos 112 pessoas morreram e 760 ficaram feridas. Israel nega que suas tropas tenham atirado na multidão que buscava ajuda e diz que apenas tiros de alerta foram disparados. Segundo a versão israelense, as mortes decorreram do pânico causado pelos atropelamentos das pessoas pelos caminhões em fuga diante da tentativa de saque e dos pisoteamentos.

O presidente americano, Joe Biden, alertou que o episódio deve complicar os esforços por um cessar-fogo para o conflito de quase cinco meses que estão em andamento. A mesma advertência foi feita pelo Hamas.

FERIDOS A BALA

Testemunhas e sobreviventes disseram que disparos atingiram multidões e os caminhões de ajuda humanitária, e Mohammed Salha, diretor interino do Hospital al-Awda, que tratou 161 pessoas, afirmou ao jornal britânico The Guardian que a maioria delas parece ter sido atingida por tiros. Já Husam Abu Safiya, diretor do Hospital Kamal Adwan, afirmou ao New York Times que cerca de cem pessoas com ferimentos a bala chegaram à sua instituição.

O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, que controla parte da Cisjordânia ocupada, descreveu o incidente como um “massacre horrível conduzido pela ocupação israelense contra pessoas que esperavam caminhões de ajuda”. Já o Egito classificou o episódio como “um ataque desumano israelense”. Turquia e Arábia Saudita também condenaram Israel. Já a França disse em nota da Chancelaria que os disparos israelenses foram “injustificáveis” e que “é responsabilidade de Israel proteger a entrega de ajuda humanitária”.

Em comunicado, as Forças Armadas israelenses afirmaram que as mortes decorreram de uma confusão durante a entrega da ajuda, com os soldados somente tendo disparado para o ar e contra as pernas de um grupo de residentes que se afastou do comboio humanitário e se aproximou de uma unidade militar israelense. Em entrevista coletiva mais tarde, o porta-voz das Forças Armadas de Israel, Daniel Hagari, afirmou, porém, que só foram feitos disparos de alerta para dispersar a multidão, e disse que aviões que sobrevoavam a área não realizaram ataques aéreos.

—[Os soldados dispararam] apenas em face do perigo, quando a multidão se moveu de uma forma que os pôs em risco —afirmou. —Apesar das acusações, não disparamos contra aqueles que buscavam ajuda humanitária (...) nem no comboio, por terra ou ar.

Segundo Hagari, as Forças Armadas coordenavam um comboio com 38 caminhões com ajuda humanitária vindo do Egito, prevista para ser distribuída por prestadores de serviço privados após entrada no território pela passagem de Kerem Shalom.

COMENDO RAÇÃO ANIMAL

No comunicado, o Exército afirmou que quando o comboio chegou ao entroncamento na Cidade de Gaza, “residentes cercaram os caminhões para saquear os suprimentos que eram entregues. Como resultado do empurra-empurra, pisoteamento e atropelamento pelos veículos, dezenas de palestinos foram mortos e feridos”.

À Reuters, uma fonte israelense afirmou, previamente ao comunicado do Exército, que as tropas de Israel abriram fogo contra “várias pessoas” que cercaram o comboio porque se sentiram ameaçadas.

Testemunhas relataram à AFP que viram milhares de pessoas correndo na direção dos caminhões de ajuda humanitária que se aproximavam. Uma pessoa afirmou que os veículos com as doações chegaram “muito perto de alguns tanques do Exército israelense que estavam na área, e milhares de pessoas simplesmente avançaram sobre os caminhões”. Nesse momento, afirmou, “os soldados dispararam contra a multidão”.

Kamel Abu Nahel disse à Associated Press que foi ao ponto de distribuição de ajuda no meio da noite porque esperava obter alimentos depois de dois meses comendo ração animal. Segundo ele, depois que uma multidão se reuniu após a chegada dos caminhões, os soldados israelenses abriram fogo, fazendo as pessoas buscarem abrigo. Quando os disparos cessaram, elas retornaram, mas os soldados abriram fogo novamente, e Abu Nahel foi baleado na perna e atropelado por um caminhão que se afastava em alta velocidade.

O ministro da Segurança Interna de Israel, Itamar BenGvir, um dos expoentes da extrema-direita do Gabinete do premier Benjamin Netanyahu, elogiou a ação dos soldados israelenses e defendeu o fim da ajuda humanitária a Gaza, onde a ONU estima que 2,2 milhões de pessoas — quase toda a população do enclave —estejam ameaçadas pela fome. Em post na rede social X (antigo Twitter), Ben-Gvir considerou “excelente” a atuação dos soldados “contra uma multidão de Gaza que tentou prejudicá-los” e tachou de “loucura” a “transferência de ajuda humanitária” enquanto houver reféns em Gaza, que estaria pondo “em perigo os soldados”. Segundo ele, a ajuda serve para “dar oxigênio ao Hamas”. Ben-Gvir defende a reocupação de Gaza por Israel após a guerra e a “emigração voluntária” da população.

‘PESSOAS ESTÃO FAMINTAS’

Os EUA exigiram de Israel ontem “respostas” sobre o incidente e declararam que ele mostra que a situação é “incrivelmente desesperadora” em Gaza, onde a ONU alertou para os riscos de fome.

—As pessoas estão cercando esses caminhões porque estão famintas, porque precisam de comida, porque precisam de remédios e outras assistências. E isso mostra que precisamos fazer mais para levar ajuda humanitária — disse a jornalistas o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou as mortes, e citou a situação desesperadora de centenas de milhares de civis em Gaza.

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2024-03-01T08:00:00.0000000Z

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