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Mendonça autoriza empresas a renegociar acordos da Lava-Jato

Multas das companhias na mira da operação ficam suspensas por 60 dias

MARIANA MUNIZ mariana.muniz@bsb.oglobo.com.br BRASÍLIA

O ministro do STF André Mendonça autorizou empresas que fecharam acordos de leniência no âmbito da Lava-Jato a renegociar os termos em até 60 dias. Nesse período, o pagamento das multas previstas fica suspenso. A tese aceita pelo ministro é que, em 2020, o governo e órgãos como a CGU e a AGU, sob supervisão do STF, firmaram um Acordo de Cooperação Técnica (ATC) que redefinia as regras dos acordos de leniência. Agora, todos os termos feitos antes desse momento poderão ser revistos. Ficam suspensos 11 acordos de leniência, que previam o pagamento de R$ 17 bilhões aos cofres públicos, envolvendo empresas como Braskem, Samsung e Camargo Corrêa, entre outras.

Prestes a completar dez anos, a Lava-Jato sofreu ontem um novo revés após o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizar que empresas punidas na época da operação repactuem seus acordos de leniência. Na prática, o magistrado deu 60 dias para que as companhias renegociem os valores bilionários que aceitaram pagar em multas em troca de não serem punidas na esfera administrativa. Os pagamentos serão suspensos nesse período.

A medida foi tomada em audiência de conciliação chamada por Mendonça após partidos políticos questionarem a validade de acordos firmados pela força-tarefa da operação. Por meio de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) apresentada no ano passado, PSOL, PCdoB e Solidariedade argumentam que os pactos entre empresas e o Estado foram celebrados antes de uma regulamentação para esse tipo de negociação ser estabelecida, o que só ocorreu em 2020.

Essas regras estão previstas no Acordo de Cooperação Técnica (ACT), assinado pelo governo com os órgãos de controle, sob supervisão do Supremo. Ele estabelece, por exemplo, que a AdvocaciaGeral da União (AGU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) são responsáveis pela condução e celebração dos acordos de leniência, embora também preveja a participação do Ministério Público. Antes, a empresa precisava negociar separadamente em cada “balcão” — o que gerava, segundo as envolvidas, uma insegurança jurídica.

O acordo de leniência é uma espécie de delação premiada das empresas, no qual reconhecem desvios em contratos com o setor público em troca de não sofrerem punições na esfera administrativa. Em geral, também se comprometem em devolver os valores desviados e pagar multas.

AO MENOS R$ 17 BILHÕES

Ao todo, 11 leniências poderão ser renegociadas, que somam ao menos R$ 17 bilhões em acordos firmados com órgãos do governo. Entre as empresas que podem ser beneficiadas estão Braskem, Samsung, Nova Enegevix, Camargo Corrêa, Novonor (ex-Odebrecht), J&F e Metha (antiga OAS).

Durante a audiência de ontem, Mendonça, que é o relator dos casos, negou que sua decisão represente um “revisionismo histórico” de atos da Lava-Jato. Em nota divulgada pelo STF, ele ressaltou a importância dos acordos de leniência como instrumento de combate à corrupção e disse que a repactuação permitirá que as empresas negociem com base nos “princípios da boafé, da mútua colaboração, da confidencialidade, da razoabilidade e da proporcionalidade”, afirmou.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, concordou com a reabertura do diálogo com as empresas. O órgão deverá participar das renegociações. Já o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Bruno Dantas, afirmou que a instituição participará da fiscalização do andamento dos acordos, enquanto o ministro Vinícius de Carvalho, da CGU, ressaltou que o governo está aberto para ouvir os pedidos de renegociação das empresas.

Participantes da reunião ouvidos pelo GLOBO relataram que todas as instituições demonstraram alinhamento, entendendo que a repactuação nos termos de 2020 é necessária.

A conciliação proposta por Mendonça ocorre na esteira de duas decisões recentes do ministro Dias Toffoli, do STF, de suspender multas impostas a empresas em acordos de leniência firmados pela empreiteira Odebrecht e pela J&F.

Há quinze dias, Gonet recorreu de decisão que suspendeu a multa de R$ 3,8 bilhões aplicada contra a Odebrecht no acordo de leniência firmado com o Ministério Público em 2016, no âmbito da operação Lava Jato.

A decisão de Toffoli suspendendo o pagamento de multas da empreiteira foi dada em uma ação na qual a Odebrecht pegou carona — e beneficiou o grupo J&F com a suspensão de uma penalidade de R$ 10,3 bilhões no acordo de leniência firmado por conta de corrupção na Petrobras.

No pedido apresentado à Corte, Gonet solicitou que o recurso contra a decisão de Toffoli fosse apreciado em conjunto com a ação sob a relatoria de Mendonça – entendendo que os “objetos” são os mesmos.

“COAÇÃO”

As duas decisões de suspender multas tinham como argumento uma suposta coação às empresas, na época acossadas por denúncias de corrupção na Lava-Jato, e que os valores acordados foram “excessivos”.

Em sua decisão, Toffoli citou suspeitas de “conluio” entre o ex-juiz Sergio Moro, que foi responsável pela Lava-Jato na sua primeira fase, com procuradores da forçatarefa da operação, revelados pela Operação Spoofing. Segundo o magistrado, esse cenário permitiu“a elaboração decenário jurídico processual-investigativo que conduzisse os investigados à adoção de medidas que melhor conviesse atais órgãos, e não à defesa em si”.

Nos bastidores do STF, a avaliaçãoéaqu eoa cordo costurado por André Mendonça junto às empresas e os órgãos de controle tira da alçada de Toffoli — e da Segunda Turma da Corte, onde há um placar desfavorável à Lava-Jato —a decisão a respeito da suspensão das multas e permite que todas as companhias possam repactuar o que foi firmado anteriormente, não apenas a J&F e a Novonor.

Para Sebastião Tojal, advogado especialista em acordos de leniência, a iniciativa de Mendonça foi “altamente louvável”.

—A litigiosidade custa muito caro. Portanto, é preferível que se busque uma solução de consenso. Os acordos se tornaram impagáveis e deixaram de cumprir o seu papel — disse ele (Colaborou Julia Noia).

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2024-02-27T08:00:00.0000000Z

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