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Arrecadação recorde reduz risco de bloqueios no Orçamento

Patamar inédito de receitas em janeiro melhora perspectivas fiscais e reforça programa de Haddad

ALVARO GRIBEL alvaro.gribel@oglobo.com.br BRASÍLIA

Uma combinação de fatores que inclui a nova tributação sobre fundos de alta renda, o fim da isenção de PIS e Cofins sobre combustíveis e um aquecimento da atividade econômica fez a arrecadação do governo federal bater R$ 280,6 bilhões no mês passado, recorde para um mês de janeiro. O resultado alivia a necessidade imediata de o governo fazer contingenciamentos, que são o bloqueio de recursos do Orçamento para prevenir o desequilíbrio fiscal. No médio prazo, o aumento da arrecadação é decisivo para o sucesso do programa de Fernando Haddad, já que o arcabouço fiscal limita a alta dos gastos à ampliação das receitas. Além disso, a maior arrecadação deixa o governo menos longe da meta de déficit zero para 2024. Economistas ressaltam, contudo, que não há garantia de que o desempenho de janeiro se repita, pois boa parte das receitas é não recorrente.

Aarrecadação do governo federal bateu recorde em janeiro, em uma combinação de receitas atípicas, medidas encaminhadas pelo Ministério da Fazenda e um mercado de trabalho e uma economia aquecidos. O crescimento real, já descontada a inflação, foi de 6,6% sobre o mesmo mês de 2023, totalizando R$ 280 bilhões, o maior resultado para janeiro desde 1995, quando teve início a série histórica.

O aumento de receitas vem no momento em que a Fazenda tenta evitar bloqueios no Orçamento deste ano, o que será analisado no Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas, no mês de março. Com a arrecadação mais forte no início do ano, diminuem as chances de o documento apontar desequilíbrio na execução orçamentária na busca pela meta de déficit zero. Caso isso aconteça, o Ministério do Planejamento terá que impor medidas de contingenciamento, que poderão atingir vários ministérios.

A Fazenda tenta impedir esses bloqueios orçamentários, para evitar também que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determine uma mudança na meta deste ano.

Lula tem sido pressionado por ministros, como o chefe da Casa Civil, Rui Costa, e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, sob a alegação de que os contingenciamentos podem atingir recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e provocar uma desaceleração da economia em ano de eleições municipais.

HADDAD GANHA FÔLEGO

O aumento da arrecadação é também um dos pilares do arcabouço fiscal, que depende da expansão de receitas. Mas analistas ressaltam que algumas receitas atípicas registradas em janeiro podem não se repetir por muito tempo.

Embora o mercado financeiro não aposte no déficit zero este ano —as projeções apontam um rombo em torno de 0,8% do PIB —, há o entendimento de que é preciso manter a meta, para que medidas automáticas de ajuste, previstas no arcabouço fiscal, sejam disparadas no ano que vem.

Na visão de Gabriel de Barros, economista da Ryo Asset e especialista em contas públicas, os dados de janeiro indicam que a estratégia da Fazenda está dando resultado. Ele entende que o debate sobre os bloqueios será adiado de março para os relatórios do segundo semestre. Com isso, o ministro Fernando Haddad ganhará mais tempo.

— A arrecadação surpreendeu, e como a tendência deve se manter em fevereiro, o debate sobre uma possível mudança na meta e sobre bloqueios de despesas deve ser deslocado para o segundo semestre. Isso é importante para que o ministro Haddad tenha mais fôlego para negociar novas medidas com o Congresso. Ele ficamenospressionado—afirmou Barros.

Em janeiro, a alta da arrecadação foi resultado de uma combinação de fatores. Entre as medidas consideradas atípicas pela Receita Federal, estão os ganhos com a tributação dos chamados fundos exclusivos (voltados para a alta renda), que refletem uma das medidas encaminhadas pela Fazenda e aprovadas pelo Congresso. Cerca de R$ 4,1 bilhões foram pagos por contribuintes que tinham lucros acumulados nesses fundos e foram tributados.

Segundo o coordenador do Centro de Estudos Tributários na Receita Federal, Claudemir Malaquias, esse montante representa a segunda de quatro parcelas que o órgão espera receber com a tributação dos fundos exclusivos:

—Tivemos o pagamento de uma parcela em dezembro, uma agora em janeiro, e ainda teremos mais duas. Além disso, ainda haverá a tributação come-cotas, que acontecerá semestralmente.

Outra medida determinada pelo governo e que começou a dar resultado foi a reoneração dos combustíveis, que foram zerados durante o ano eleitoral de 2022 pelo então presidente Jair Bolsonaro. Com a volta das alíquotas de PIS e Cofins sobre a gasolina, a Receita estimou ganhos de R$ 1,75 bilhão com esses tributos em janeiro. O número deve crescer em fevereiro, quando começará a entrar no caixa do governo a volta dos impostos sobre o óleo diesel.

A Receita também considera como arrecadação atípica os pagamentos de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), ambos por empresas, como forma de ajuste para quem está no regime do lucro real. Malaquias calcula que R$ 5 bilhões entraram nos cofres a partir desse ajuste. Isso ajudou a impulsionar a arrecadação vinda de empresas financeiras, que cresceu 33,74% no mês, ou R$ 9,78 bilhões em relação a janeiro de 2023.

AVANÇO DA ATIVIDADE

Outro fator foi o crescimento da atividade econômica. O mercado de trabalho mais aquecido, por exemplo, e o aumento do número de ocupados com carteira assinada ajudaram no crescimento de 2,55% da massa salarial. Isso fez a arrecadação previdenciária subir 7,58%, em relação a janeiro de 2023, e atingir R$ 53,9 bilhões. Pelo mesmo motivo, o Imposto de Renda retido na fonte em rendimentos do trabalho também saltou 8,74%.

Segundo o economistachefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, os números vieram acima do que o mercado financeiro projetava no boletim Prisma Fiscal (R$ 275 bilhões), mas abaixo do que ele previa, R$ 285 bilhões. Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, diz que as principais medidas enviadas pela Fazenda começarão a fazer mais efeito nos dados de fevereiro. Portanto, ainda é preciso esperar para ver a eficácia desses projetos. Ele cita, por exemplo, as mudanças no voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf ). “O verdadeiro desafio da Receita para atingir a meta de déficit zero ainda está por vir”, afirmou em relatório a clientes.

O economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, diz que o resultado foi bom, mas é preciso esperar mais tempo para se entender com clareza os rumos da arrecadação:

— Foi um bom resultado. Uma parte parece estrutural, mas a maior parte parece de receitas não recorrentes. É preciso esperar um pouco mais para se ter mais certeza.

Em 2023, as receitas do governo federal corresponderam a 17,5% do PIB. Para 2024, o Orçamento prevê arrecadação de 19,2% do PIB, o que significa que o governo terá que fazer um esforço de quase R$ 200 bilhões para atingir a meta.

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2024-02-23T08:00:00.0000000Z

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