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Senado aprova fim da ‘saidinha’ dos presídios

Projeto que extingue benefício a detentos passa por 62 votos a 2, e oposição impõe derrota a Lula

CAMILA TURTELLI politica@oglobo.com.br BRASÍLIA

Por 62 votos contra apenas dois, o plenário do Senado aprovou o projeto que extingue a chamada “saidinha” dos presídios. Atualmente, a lei garante a detentos com bom comportamento e que não cometeram crimes hediondos o benefício de deixar temporariamente a prisão para visitar a família em feriados, participar de atividades de retorno ao convívio social e frequentar cursos. O texto aprovado extingue as duas primeiras hipóteses. O projeto é uma bandeira da oposição a Lula. Parlamentares argumentam que presos aproveitam o benefício para fugir e cometer novos crimes. O governo é contra a medida, por acreditar que a “saidinha” colabora com a ressocialização, mas, prevendo a derrota, liberou o voto da base.

Na volta aos trabalhos após a folga do carnaval, o Senado impôs um novo revés ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, ao aprovar projeto que põe fim à chamada “saidinha” de presos em datas comemorativas. Foram 62 votos a favor do projeto e apenas dois contrários. O governo era contra a medida, que foi relatada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e incluiu emenda do senador Sergio Moro (União-PR), dois dos principais adversários políticos do PT na Casa. O texto retorna agora à Câmara dos Deputados, onde deverá passar por nova votação.

Nos bastidores, o governo buscou, sem sucesso, estratégias para tentar barrar a proposta. No plenário, dois terços dos votos vieram de senadores que fazem parte da base governista (42), incluindo três do próprio PT. Os únicos votos contrários foram de Cid Gomes (PSB-CE) e Rogério Carvalho (PT-SE). O líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), liberou a bancada do partido e defendeu que a medida fosse ainda mais restritiva do que propôs a oposição.

O Planalto ainda avalia a possibilidade de Lula vetar a medida caso o texto passe novamente pela Câmara. Segundo o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, porém, eventual veto ainda não foi discutido.

— A gente não trabalha com “se” nem com “caso”. O governo e os líderes vão debater —disse Padilha, antes da aprovação no Senado.

Líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA) disse que não houve orientação de Lula sobre vetar o projeto.

O QUE MUDA NA LEI

Atualmente, a lei permite que presos que apresentarem bom comportamento no regime semiaberto deixem a prisão por um período de tempo determinado para visitar familiares nos feriados, participação em atividades que ajudem no retorno ao convívio social e frequentar cursos.

A proposta relatada por Flávio exclui as duas primeiras hipóteses. No Senado, o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro acolheu uma emenda ao projeto apresentada por Moro que altera o texto para permitir que presos saiam para frequentar cursos supletivos profissionalizantes, do ensino médio ou superior. A emenda também define que essa permissão não inclua presos condenados por “crime hediondo ou por crime praticado com violência ou grave ameaça à pessoa”.

—O texto chegou em uma redação bastante razoável, no meu ponto de vista, e deve ir para a Câmara dos Deputados, onde a informação que eu tenho é que devem pautar o mais rápido possível —disse o senador do PL.

Entre juristas, no entanto, há divergências sobre a abrangência do texto, caso seja convertida em lei. Gustavo Sampaio, professor de Direito Constitucional na UFF, defende que, por se tratar de alteração na Lei de Execução Penal (LEP), deva passar a valer para todos os presos em regime semiaberto já inseridos no sistema penal. Já o doutor em Direito Constitucional Acácio Miranda vê como uma alteração no Código Penal e, portanto, não teria caráter retroativo. Outro ponto que pesa contra a aplicação ampla, na sua avaliação, é o fato de o texto ser prejudicial aos detentos —a legislação penal brasileira prevê que mudanças não podem prejudicar o réu.

O tema é uma bandeira de parlamentares de direita, que defendem uma política penal mais dura para evitar que condenados por crimes possam ser reintegrados à sociedade antes de cumprirem suas penas. A morte de um policial militar em janeiro deste ano, em Minas Gerais, reacendeu o debate. O sargento Roger Dias da Cunha, de 29 anos, foi baleado por um fugitivo que não voltou para a cadeia após a saída temporária de Natal. Flávio Bolsonaro anunciou que, caso seja sancionada, a lei levará o nome do policial militar.

Na época, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que o Congresso precisava alterar a lei que trata das “saidinhas”. No X (antigo Twitter), Pacheco escreveu que o crime cometido era “de gravidade acentuada e gerou a todos grande perplexidade e tristeza”. Ele ainda citou outros casos de violência contra policiais e disse que a situação pedia uma reação do Congresso, que segundo ele, deve promover mudanças na lei.

O projeto tramita no Congresso há 14 anos e foi aprovado pela Câmara em 2022. O Senado aprovou a urgência do texto na semana anterior ao carnaval, em uma votação simbólica (quando não há a contagem de votos individuais) que durou 48 segundos.

— O Senado dá uma bela resposta à sociedade em mostrar que não estamos ausentes do debate, que não vamos nos omitir em discutir a segurança pública —disse Moro.

RESSOCIALIZAÇÃO

Criminalistas, contudo, criticam o projeto e afirmam que a medida é ineficiente. O doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP), Rubens Beçak, diz que a efetividade das “saidinhas” é uma unanimidade para profissionais e estudiosos do direito penal e criminal. Beçak diz que o benefício serve como um incentivo para o bom comportamento de detentos e que a taxa de fugas é consideravelmente baixa. Segundo dados compilados pelo g1 com base em informações cedidas pelos governos estaduais, dos 52.074 detentos que tiveram direito à saidinha no país em 2023, 2.653 não retornaram (5,1% do total).

— Uma parcela pequena não retorna, menos de 5%, mas esse fator gera uma sensação de descrença no sistema a médio e longo prazo, por parte da população — afirma Beçak, para quem essa sensação leva a população a desacreditar da aplicação de penas no sistema prisional brasileiro. — Se a população tem uma sensação de que uma parcela desses presos não voltam e que cometem crimes e incide no ilícito novamente, isso gera uma defasagem na crença da aplicação da pena pela Justiça.

Para o Grupo de Trabalho Interinstitucional de Defesa da Cidadania — que reúne o Ministério Público Federal, defensorias e entidades —o projeto é “flagrantemente inconstitucional” e as saidinhas são importantes para ressocialização. (Colaborou Julia Noia)

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2024-02-21T08:00:00.0000000Z

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