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‘Persona non grata’ para Israel, Lula chama embaixador de volta

Comparação feita pelo presidente brasileiro da ação israelense em Gaza com o Holocausto deteriora relação entre os países

ELIANE OLIVEIRA elianeo@bsb.oglobo.com.br BRASÍLIA (Colaborou Sérgio Roxo, Brasília)

A crise diplomática causada pela comparação, feita pelo presidente Lula, da ofensiva israelense em Gaza com o Holocausto escalou ontem, com Israel classificando o brasileiro como “persona non grata” no país até que se retrate da frase, considerada “imperdoável”. O anúncio foi feito pelo ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, frente a frente com o embaixador brasileiro no país, Frederico Meyer, chamado para uma visita ao Museu do Holocausto, em Jerusalém. Após a situação desconfortável, Meyer foi convocado por Lula para voltar ao Brasil, tradicional sinal diplomático de crise na relação entre os países. Ainda ontem, o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, chamou para um encontro o embaixador israelense no Brasil, Daniel Zonshine.

Em um agravamento da crise diplomática iniciada domingo, após uma fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparando a crise humanitária e o elevado número de mortes causados pela ofensiva israelense em Gaza ao Holocausto, Israel declarou ontem o chefe de Estado brasileiro persona non grata no país até que ele se retrate, enquanto o Brasil chamou de volta seu embaixador em Tel Aviv e convocou o representante israelense em Brasília a dar explicações.

O embaixador brasileiro em Israel, Frederico Meyer, foi chamado para dar explicações sobre a declaração de Lula, que causou indignação no governo israelense. Autoridades do país consideraram inaceitável a comparação da ação israelense em Gaza com o Holocausto, o extermínio planejado de seis milhões de judeus pelo regime nazista de Adolf Hitler na Segunda Guerra. Lula também classificou como “genocídio” as mortes em Gaza, onde já morreram mais de 28 mil pessoas, mais de 1% da população local, nos bombardeios pelas forças israelenses.

REUNIÃO NO MUSEU

Em vez de uma reunião no Ministério das Relações Exteriores, como é a praxe, Meyer foi chamado a um local fora dos padrões diplomáticos: o Museu do Holocausto (Yad Vashem), em Jerusalém. Além disso, Katz convocou a imprensa. O lugar escolhido foi considerado um “circo” por diplomatas brasileiros. Para integrantes do Itamaraty, foi uma exposição desnecessária do embaixador.

O chanceler israelense, Israel Katz, mostrou a Meyer o formulário com os nomes de seus avós, assassinados na Segunda Guerra. No domingo, ele já havia afirmado que a fala de Lula “profana a memória daqueles que morreram no Holocausto” e “é um ataque antissemita grave”.

—Em meu nome e em nome de todos os cidadãos israelenses, diga ao presidente Lula que ele é persona non grata em Israel até que se retrate por suas declarações —disse Katz ao embaixador, acrescentando: — Não vamos esquecer, não vamos perdoar.

As declarações de Lula foram feitas em entrevista no hotel em que ele estava hospedado em Adis Abeba, capital da Etiópia, onde foi convidado para discursar, no sábado, na sessão de abertura da cúpula da União Africana. No encontro, ele criticou tanto Israel quanto o grupo terrorista palestino Hamas, que lançou em 7 de outubro passado o ataque mais mortal ao território israelense desde a criação do Estado judeu, em 1948, deixando mais de 1.100 mortos e capturando cerca de 250 reféns.

A avaliação do governo brasileiro é que a declaração de Lula está sendo usada politicamente pelo premier de Israel, Benjamin Netanyahu, que enfrenta uma séria crise de popularidade e protestos internos por causa dos mais de cem reféns ainda em poder do Hamas e seus aliados em Gaza após mais de quatro meses de guerra. Netanyahu, disse que “as palavras do presidente do Brasil são vergonhosas e graves”.

SEM PEDIDO DE DESCULPAS

O assessor para Assuntos Internacionais do Palácio do Planalto, Celso Amorim, tachou de “um absurdo” a decisão de classificar Lula persona non grata.

—Quem tem que pedir desculpas é Israel, e não é ao Brasil, mas à Humanidade —disse à colunista do GLOBO Bela Megale o ex-chanceler e assessor do presidente, que destacou, também, que “não há hipótese de pedido de desculpas” por parte do presidente.

Amorim participou logo de manhã de uma reunião de emergência no Palácio da Alvorada, em Brasília, com o presidente e mais os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação Social) e o chanceler Mauro Vieira, que participou de forma virtual.

O embaixador brasileiro deverá embarcar hoje para o Brasil após ser chamado de volta pelo governo. A desocupação do posto em Tel Aviv indica um agravamento do impasse diplomático entre os dois países e pode, eventualmente, ser o primeiro passo para o esfriamento ou até o rompimento das relações bilaterais.

“Diante da gravidade das declarações desta manhã do governo de Israel, o Ministro Mauro Vieira, que está no Rio de Janeiro para a reunião do G20, convocou o embaixador israelense Daniel Zonshine para que compareça hoje ao Palácio Itamaraty, no Rio. E chamou para consultas o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer”, que volta ao Brasil hoje, disse o Itamaraty em nota.

Convocado ao Rio para prestar esclarecimentos sobre as medidas tomadas pelo governo de seu país, o embaixador israelense no Brasil, Daniel Zonshine, encontrou-se com Vieira no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro. Segundo um interlocutor a par do assunto, foi um encontro “difícil, mas direto e aberto”. Vieira disse a Zonshine que o que houve em Jerusalém é “inaceitável”.

Segundo relatos obtidos pelo GLOBO, o chanceler citou dois fatores que irritaram o governo brasileiro: a convocação do embaixador do Brasil em Israel para uma reunião no Museu do Holocausto; e a decisão do governo israelense de declarar Lula persona non grata.

Na reunião com o chanceler israelense, Meyer passou pelo constrangimento de ouvir uma declaração em hebraico com intérprete. Um integrante da área diplomática disse que, só por essa humilhação imposta ao embaixador brasileiro seria descartada qualquer possibilidade de retratação de Lula. O diplomata israelense, por sua vez, deve permanecer no Brasil.

HAMAS ELOGIOU LULA

Um interlocutor do Itamaraty disse que Lula caiu em uma “armadilha”, ao fazer a declaração. A fala do presidente foi comentada pelo Hamas. que agradeceu em comunicado e pediu “à Corte Internacional de Justiça (CIJ) que leve em conta o que o presidente brasileiro disse.” No dia 26/1, a corte declarou que a operação militar de Israel contra Gaza representa um risco plausível de danos irreversíveis e imediatos à população palestina, determinando que o Estado judeu tome todas as medidas em seu poder para evitar violações da Convenção da ONU sobre Genocídio, de 1948, e permita a entrada de ajuda humanitária no enclave palestino. A ação foi iniciada pela Índia.

Em Brasília, o senador de oposição Carlos Viana (Podemos-MG) pediu ontem que o chanceler Mauro Vieira seja ouvido na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado sobre a fala de Lula, alegando que ela “provocou o início do que pode ser uma grave crise diplomática entre Brasil e Israel”. Já a Frente Parlamentar Evangélica repudiou a fala de Lula, afirmando em nota que ela equivale a provocar um “conflito ideológico desnecessário”.

“Em meu nome e em nome de todos os cidadãos israelenses, diga ao presidente Lula que ele é persona non grata em Israel até que se retrate por suas declarações. Não vamos esquecer, não vamos perdoar”

_ Israel Katz, chanceler de Israel

“Quem tem que pedir desculpas é Israel, e não é ao Brasil, mas à Humanidade”

_ Celso Amorim, assessor para Assuntos Internacionais da Presidência

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