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PF implica Bolsonaro e cúpula de seu governo em tentativa de golpe

Sede do PL tinha roteiro para estado de sítio e GLO Braga Netto e Heleno insuflaram ruptura Não se moveu um soldado por golpe, diz ex-presidente

politica@oglobo.com.br BRASÍLIA

Uma operação da Polícia Federal expôs indícios e provas de uma articulação para um golpe de Estado com a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de vários de seus aliados, entre eles os ex-ministros militares Braga Netto e Augusto Heleno. A Operação Tempus Veritatis (Hora da Verdade, em latim) foi pedida pela PF, com aval da Procuradoria-Geral da República e autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Os investigadores da PF reuniram diversas provas, como mensagens, gravação de reuniões e documentos, antes e depois das eleições de 2022, que apontam para uma articulação golpista. Para Moraes, está “comprovada a materialidade” dos crimes de abolição violenta do Estado de Direito e tentativa de golpe de Estado. Houve quatro prisões, sendo três de militares, e mais de 20 alvos de medidas cautelares, incluindo Bolsonaro, que teve de entregar o passaporte e não pode manter contato com os demais investigados. Entre as provas está a gravação de uma reunião no Planalto em julho de 2022 em que Heleno defende “virar a mesa”. Em mensagem obtida pela PF, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, afirma que o ex-presidente “enxugou” o texto de uma minuta golpista que, segundo a PF, serviria para embasar a ruptura constitucional. O general Braga Netto criticou e xingou em mensagens o então comandante do Exército, Freire Gomes, por não aderir à tentativa golpista. Na sala de Bolsonaro na sede do PL, agentes acharam um texto apócrifo com um roteiro de discurso para a decretação de estado de sítio.

DANIEL GULLINO, DIMITRIUS DANTAS, EDUARDO GONÇALVES, MARIANA MUNIZ, PAOLLA SERRA, PATRIK CAMPOREZ E SARAH TEÓFILO

Operação deflagrada pela Polícia Federal aponta provas de que Jair Bolsonaro e militares próximos do ex-presidente estariam no centro de uma trama golpista. Ao cumprirem ontem mandado de busca e apreensão, os investigadores encontraram na sala do ex-titular do Palácio do Planalto na sede do PL, em Brasília, documento que previa uma declaração de estado de sítio e um decreto de Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no país. Entre os principais fatos elencados em despacho do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), também estão o vídeo de uma reunião com ministros, em 5 de julho de 2022, na qual são feitos ataques sem provas ao sistema eleitoral, e trocas de mensagens que confirmam a elaboração da minuta de um decreto para intervenção militar e impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Bolsonaro está proibido de deixar o país e entregou seu passaporte à PF na tarde de ontem, segundo o advogado do ex-presidente, Fábio Wajngarten. Ele ainda está impedido de se comunicar com demais investigados, nem por meio de advogados. Entre os alvos de busca e apreensão estão auxiliares próximos de Bolsonaro, como os ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) e Anderson Torres (Justiça), além do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier e o ex-assessor especial Tercio Arnaud Tomaz, membro do “gabinete do ódio”. Já o ex-assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Filipe Martins, foi preso preventivamente.

ROTEIRO DO GOLPE

Os generais Heleno e Braga Netto são acusados de insuflar o golpe. O primeiro, atacando o sistema eleitoral na reunião ocorrida em julho de 2022, quando defende “virar a mesa”. Já Braga Netto aparece em mensagens pressionando a cúpula militar a aderir. A Operação Tempus Veritas apura organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito. Em seu despacho, Moraes escreve que está “comprovada a materialidade” desses crimes.

Como parte desse plano, segundo a PF, está o documento encontrado na sala de Bolsonaro na sede de seu partido. O texto tem o mesmo teor de uma outra minuta encontrada no celular do ex-ajudante de ordens Mauro Cid em 2023.

“Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”, diz trecho do texto.

O documento levanta o argumento de que ações “inconstitucionais” foram tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2022.

Wajngarten diz que o “tal documento apócrifo” tem um padrão que “não condiz com as tradicionais e reconhecidas falas e frases do presidente”. “Tal conteúdo escrito depende mandatoriamente de ação conjunta de outros Poderes”, postou ele no X (antigo Twitter).

Mensagens ainda confirmam relato feito pelo tenentecoronel Mauro Cid em sua delação premiada, e revelado pelo GLOBO, sobre a elaboração de uma minuta de decreto golpista. Ele disse que Bolsonaro apresentou aos comandantes das Forças Armadas um documento com uma proposta de intervenção militar e que o expresidente inclusive sugeriu alterações no documento.

As investigações apontam que o ex-presidente recebeu de Filipe Martins documento que detalhava supostas interferências do Judiciário no Executivo. Ao final, a minuta decretava a prisão de autoridades, como os ministros do STF Alexandre de Moares e Gilmar Mendes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Em áudio enviado para o comandante do Exército, general Freire Gomes, em 9 de dezembro de 2022, dois dias após a reunião com a cúpula das Forças Armadas, Mauro Cid afirmou que Bolsonaro “enxugou o decreto” e tornou ele mais “resumido”.

A PF ainda teve acesso a um vídeo de uma reunião ministerial realizada por Bolsonaro em 5 de julho de 2022. A gravação estava em um computador apreendido na casa de Mauro Cid. Para a corporação, há uma “dinâmica golpista, no âmbito da alta cúpula do governo”. De acordo com os autos, os participantes da reunião tentaram desacreditar as eleições e a Justiça Eleitoral.

ESPIONAGEM DAS CAMPANHAS

Na ocasião, o general Heleno afirmou que se “tiver que virar a mesa é antes das eleições”. Ele também relatou, segundo a PF, que teria orientado a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) a “infiltrar agentes nas campanhas eleitorais”. O ministro, porém, logo foi calado por Bolsonaro, que pediu para o tema ser tratado apenas com ele (leia na página 6).

Outro auxiliar próximo que entrou na mira da PF ontem foi Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, além de candidato a vice na chapa à reeleição. Ele é acusado de coordenar ataques a militares da cúpula das Forças Armadas que resistiam às investidas golpistas. Um deles era o general Freire Gomes, a quem se referiu, em uma mensagem, como “cagão”, e pediu para que a cabeça dele fosse oferecida (leia mais na página 7).

A Polícia Federal identificou ainda um “núcleo de inteligência paralela” no entorno de Bolsonaro que monitorou os passos de Moraes, com o objetivo de prendê-lo caso a tentativa de golpe fosse consumada (mais detalhes na página 8). Segundo a investigação, o grupo era formado por Heleno, Mauro Cid e o coronel da reserva Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro preso ontem.

Além dos quatro mandados de prisão preventiva, Valdemar Costa Neto acabou detido em flagrante por posse ilegal de arma de fogo e usurpação de bem público, por estar com uma pepita de ouro extraída de um garimpo (mais detalhes na página 9).

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2024-02-09T08:00:00.0000000Z

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