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PF aponta ligação de Carlos Bolsonaro com ‘Abin paralela’

Assessora do vereador pediu informações sobre investigações contra família do ex-presidente

O vereador do Rio Carlos Bolsonaro foi um dos alvos ontem de uma operação de buscas da Polícia Federal, autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes e avalizada pela Procuradoria-Geral da República. Agentes da PF estiveram numa casa da família em Angra dos Reis. No momento, Carlos e o expresidente Jair Bolsonaro, que não era alvo da operação, haviam saído para pescar. A ação policial é sequência da investigação sobre o suposto esquema ilegal dentro da Abin, no governo Bolsonaro, para monitorar adversários políticos e ajudar na proteção do clã em investigações de que são objetos. Policiais identificaram uma mensagem enviada por uma assessora de Carlos ao exdiretor da Abin Alexandre Ramagem pedindo “ajuda” e informações de apurações da PF sobre o ex-presidente e seus filhos. A defesa de Carlos e o ex-presidente negaram atos ilegais em relação à Abin e criticaram a operação, afirmando haver perseguição e tentativa de se fazer “pescaria” em busca de elementos que possam comprometê-los. Em perfis oficiais nas redes sociais, o governo Lula ironizou a ação da PF por envolver os rivais políticos, e recebeu críticas.

EDUARDO GONÇALVES, PAOLLA SERRA, SARAH TEÓFILO, PATRIK CAMPOREZ, DIMITRIUS DANTAS, BERNARDO LIMA, MARIANA MUNIZ E FERNANDA ALVES politica@oglobo.com.br BRASÍLIA E RIO

Ainvestigação ao esquema de monitoramento clandestino feito pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo de Jair Bolsonaro chegou à família do ex-presidente. A Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços do clã pela primeira vez neste inquérito e apontou o vereador Carlos Bolsonaro como destinatário de informações colhidas ilegalmente pela estrutura paralela da agência. O parlamentar, de acordo com a apuração, é integrante do “núcleo político” da “organização criminosa” que se instalou no órgão de Estado para monitorar adversários, inclusive por meio de um programa espião de geolocalização.

A defesa de Bolsonaro, que não foi alvo das buscas, afirmou por meio de nota oficial que a ação configura um “abuso” e que houve “apreensão indiscriminada de bens”. Já os representantes do vereador sustentam que Carlos nunca teve ligação com a Abin e afirmaram que o suposto acesso a informações não passa de uma “narrativa criada e que não é a realidade”.

Ontem, a PF esteve na residência de Carlos Bolsonaro, na Barra, no gabinete do vereador no Rio, assim como numa casa de veraneio da família em Angra dos Reis, de onde Bolsonaro e três filhos —Flávio (senador) e Eduardo (deputado federal), além de Carlos — haviam participado de uma live no domingo. No momento em que os agentes chegaram à casa, o ex-presidente e seus herdeiros haviam saído para um passeio de barco.

O inquérito, aberto após O GLOBO revelar o uso do software espião, descobriu uma mensagem enviada por uma assessora de Carlos na Câmara para o deputado federal Alexandre Ramagem (PLRJ), que foi diretor-geral da Abin na época das supostas irregularidades. No texto, Luciana Almeida, também alvo da PF ontem, pede informações sobre uma investigação da PF “envolvendo PR e 3 filhos”, em possível referência a Bolsonaro e familiares. A defesa de Ramagem disse que aguarda os novos desdobramentos.

“Estou precisando de uma ajuda. Dra. Isabela Muniz Ferreira — Delegacia da PF Inquéritos Especiais. Inquéritos: 73.630 / 73.637 (Envolvendo PR e 3 filhos)”, diz a mensagem.

O diálogo ocorreu em novembro de 2022, logo após as eleições em que Bolsonaro saiu derrotado. Na ocasião, Ramagem já não estava no comando da Abin, mas ainda mantinha influência na PF, corporação da qual é delegado. Ele tinha acabado de se eleger deputado federal.

A PF esclareceu que os inquéritos mencionados não têm como alvo a família Bolsonaro, mas ressaltou que no período existiam investigações que envolviam o ex-presidente e seus parentes.

Na decisão em que autorizou a operação, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que havia uma “organização criminosa” dentro da agência.

“Os elementos de prova colhidos até o momento indicam, de maneira significativa, que a organização criminosa infiltrada na Abin também se valeu de métodos ilegais para a realização de ações clandestinas direcionadas contra pessoas ideologicamente qualificadas como opositoras”, escreveu o ministro, acrescentando que a estrutura servia também para “fiscalizar indevidamente o andamento de investigações em face de aliados políticos”.

GILMAR E MORAES NA MIRA

Em manifestação favorável à operação, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que a “interferência sobre procedimentos” na Abin “não seria acontecimento avulso no período”. A PF informou que busca “avançar no núcleo político, identificando os principais destinatários e beneficiários das informações produzidas ilegalmente por meio de ações clandestinas”.

Na semana passada, veio à tona que o monitoramento, por meio do programa First Mile, atingiu ministros do STF, como Gilmar Mendes e o próprio Moraes, assim como o então governador do Ceará e hoje ministro da Educação, Camilo Santana. Uma perícia identificou que, dos mais de 60 mil acessos do software, foram geradas 21,3 mil localizações de dispositivos móveis. Outro alvo da ação de ontem foi Giancarlo Gomes Rodrigues, militar do Exército que estava cedido para a Abin na gestão Ramagem. Ele era, segundo o inquérito, um dos responsáveis pelo monitoramento ilegal, o que incluiu um advogado próximo ao então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e à ex-deputada Joice Hasselmann. Na casa de Rodrigues, foi apreendido um computador da Abin. Ele é casado com uma servidora da agência.

A PF sustenta ainda que, enquanto esteve à frente da Abin, Ramagem imprimiu uma lista contendo informações dos inquéritos eleitorais da PF no Rio. A lista foi produzida em fevereiro de 2020, segundo a apuração, e apresentava o número da investigação, o nome do investigado, o cargo político e o partido. As informações, segundo a Polícia Federal, eram sigilosas. Além disso, o uso do First Mile teve um pico durante as eleições: das 60.734 consultas feitas ao sistema entre 2019 e 2021, 30.344 ocorreram durante o pleito de 2020.

Outro eixo da investigação trata do uso da Abin para disseminar fake news contra as urnas eletrônicas e ministros do STF. Com os mandados de ontem, a PF também poderá reunir elementos para fazer um elo desta apuração com a das milícias digitais, que também tem Carlos Bolsonaro como um dos alvos. Ontem, segundo Eduardo Bolsonaro, um dos computadores apreendidos foi o de Tércio Arnaud, que foi assessor de Bolsonaro na Presidência e apontado como um dos integrantes do “gabinete do ódio”. Tércio estava com Carlos e Bolsonaro na casa de Angra dos Reis.

“EXCESSO”

A defesa de Bolso na roa firmou que a PF atuou com “excesso, ao passo que foram apreendidos objetos pessoais de cidadãos diversos do vereador Carlos Bolsonaro, apenas pelo fato de estarem no endereço em que abusca foi realizada ”. Para os advogados, houve uma “pescaria probatória”.

“A medida empreendida hoje, em uma residência familiar, coma apreensão indiscriminadas de bens pessoais de terceiros, sem ordem judicial específica, configura inegável abuso e uso excessivo do poder estatal, postura que deve cessar imediatamente, sob pena de configurar verdadeiro atentado à democracia”.

A Abin diz que “é a maior interessada” na apuração dos fatos. A defesa de Ramagem afirmou que aguarda os desdobramentos. Na semana passada, ele afirmou que nunca teve acesso às senhas de sistemas de monitoramento para espionar autoridades públicas e cidadãos comuns. O Exército afirmou que não se manifesta no curso de investigações.

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