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‘Abin paralela’ fez espionagem ilegal de desafetos de Bolsonaro, diz PF

STF autorizou buscas contra Ramagem, ex-diretor da agência e suspeito de integrar esquema para vigiar adversários e proteger aliados de ex-presidente

PAOLLA SERRA, EDUARDO GONÇALVES, DIMITRIUS DANTAS, PATRIK CAMPOREZ, SARAH TEÓFILO E BERNARDO LIMA politica@oglobo.com.br BRASÍLIA (Colaboraram Mariana Muniz e Camila Turtelli)

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou uma operação de busca e apreensão contra o ex-diretor da Abin e atual deputado Alexandre Ramagem (PLRJ). Segundo investigação da Polícia Federal, ele é suspeito de integrar uma “organização criminosa” que criou uma “Abin paralela”, durante o governo Bolsonaro, para monitorar desafetos do ex-presidente e atuar para proteger dois de seus filhos, Flávio e Jair Renan, contra investigações. Teriam sido alvos do esquema ilegal políticos como Rodrigo Maia e mesmo ministros do STF, como Moraes e Gilmar Mendes. O esquema incluiria o monitoramento da localização das pessoas e a produção de dossiês. Há suspeita ainda de que a atual gestão da Abin tenha dificultado a apuração da PF sobre as atividades ilegais. Alexandre Ramagem negou quaisquer crimes ou irregularidades sob sua gestão.

APolícia Federal deflagou ontem uma nova etapa da operação que apura se a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foi utilizada durante o governo de Jair Bolsonaro para atender interesses do ex-presidente e até investigar clandestinamente autoridades da República, como dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), um governador e deputados. Na lista de alvos monitorados também estariam o então presidente da Câmara, uma deputada e a promotora responsável por descobrir os responsáveis pelo assassinato da exvereadora Marielle Franco. O inquérito, aberto após reportagem do GLOBO revelar o uso de um programa secreto para vigiar brasileiros, coloca o ex-chefe da agência Alexandre Ramagem (PLRJ), hoje deputado federal, como integrante de uma “organização criminosa”.

O parlamentar e outras dez pessoas que atuaram na agência de inteligência foram alvo de mandados de buscas e apreensões ontem, na Operação Vigilância Aproximada, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Em entrevista à GloboNews, Ramagem negou ter monitorado autoridades e disse que nunca teve senha do FirstMile, o programa secreto que era usado para identificar a localização de pessoas com base em dados de celular. Em nota, a Abin diz que colabora com as investigações.

A investigação da PF, contudo, aponta que o monitoramento das autoridades ia além do uso da ferramenta. Estiveram na mira da arapongagem clandestina apontada pela PF os ministros Moraes e Gilmar Mendes, do STF; o atual ministro da Educação, Camilo Santana, então governador do Ceará; Rodrigo Maia, que presidia a Câmara; a ex-deputada Joice Hasselmann; e a promotora Simone Sibilio, do Ministério Público do Rio, que esteve à frente das investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL).

LIGAÇÃO COM FACÇÃO

Arquivos localizados na casa de um dos investigados incluem anotações que indicam a tentativa de associar Moraes e Gilmar a uma facção criminosa de São Paulo. A iniciativa, de acordo com o que diz a PF, envolvia acompanhar os passos da advogada de uma ONG que atua em projetos relacionados ao sistema carcerário e que seria ligada à facção. O dossiê encontrado pelos investigadores relata uma visita dela ao STF, onde tramitava ação na qual a entidade apontava violação de direitos em normas de visitação de presos.

“As ações apresentaram viés político de grave ordem, representando mais um evento de instrumentalização da Abin”, diz trecho de relatório da PF enviado ao STF.

Em entrevista ao GLOBO publicada no início do mês, Moraes revelou ter conhecimento de que era monitorado pela Abin ao relatar planos de bolsonaristas para prendê-lo e até enforcá-lo em praça pública.

— Houve uma tentativa de planejamento. Inclusive, e há outro inquérito que investiga isso, com participação da Abin, que monitorava os meus passos para quando houvesse necessidade de realizar essa prisão. Tirando um exagero ou outro, era algo que eu já esperava — disse o ministro na ocasião.

Em outro episódio relatado na investigação, a Abin utilizou, “sob as ordens de Ramagem”, a ferramenta FirstMile para vigiar ilegalmente Rodrigo Maia, que fazia contraponto ao governo Bolsonaro.

A PF aponta que o órgão de inteligência chegou a monitorar participantes de um jantar de Maia com integrantes do PSL, então partido de Bolsonaro. A ex-deputada Joice Hasselmann (ex-PSL, hoje no PSDB), era uma das que estavam no encontro, realizado na residência oficial da Câmara, em Brasília, em 2019.

—Eu sabia que estava sendo monitorada. Sabia que o esquema dentro do Palácio começou a circular a partir do meio do ano (2019)— disse Hasselmann, que rompeu com Bolsonaro no início do governo.

A espionagem ilegal envolveu até mesmo o uso de drone. A PF diz ter identificado que um integrante da equipe de Ramagem na Abin utilizou o equipamento para sobrevoar a casa de Camilo Santana (PT), que à época era governador do Ceará.

No caso da promotora de Justiça do Rio Simone Sibilia, que comandou a apuração do caso Marielle até 2021, investigadores identificaram que integrantes da agência guardavam um resumo do seu currículo. Esse arquivo estava com a mesma formatação dos

relatórios apócrifos criados pela “estrutura paralela” que teria sido criada por Ramagem na Abin.

Em etapas anteriores, a PF já havia apontado que a Abin havia monitorado outros nomes considerados adversários políticos do governo, como o do ex-deputado Jean Wyllys, na época no PSOL, e um servidor do Ibama que encabeçou operações contra garimpeiros.

Ao alcançar Ramagem, a PF avança sobre mais um dos homens de confiança de Bolsonaro. Nessa lista também está o ex-ajudante de ordem Mauro Cid, que fechou um acordo de delação premiada, homologado por Moraes, em um inquérito que apura uma suposta trama golpista envolvendo o ex-presidente.

Próximo dos filhos de Bolsonaro, Ramagem se elegeu deputado federal após deixar o governo e é o nome escolhido pelo ex-presidente para disputar a Prefeitura do Rio este ano pelo PL.

AJUDA AOS FILHOS

A investigação da PF também aponta dois episódios em que o ex-chefe da Abin é suspeito de usar a agência para proteger filhos do ex-presidente. Em um deles, segundo a PF, essa estrutura informal foi usada para tentar tirar Jair Renan Bolsonaro, filho do ex-presidente, da mira de um inquérito que apurava tráfico de influência no governo. O caso foi posteriormente arquivado.

Durante a investigação da PF naquela época, a Abin passou a seguir os passos de um ex-personal trainer que era parceiro comercial de Jair Renan. A ação foi flagrada pela Polícia Militar do Distrito Federal, que abordou um integrante da agência dentro do estacionamento do ex-parceiro do filho do presidente.

Ao prestar esclarecimentos, o agente da Abin informou ter recebido a missão de um auxiliar de Ramagem, Felipe Arlotta Freitas, apontado por ele como coordenador informal do setor de inteligência. Freitas foi um dos alvos da operação de ontem. Procurado, não se manifestou.

Também durante a gestão de Ramagem, em 2020, a Abin participou de uma reunião no Palácio do Planalto sobre o caso das rachadinhas com a defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente.

Em dezembro daquele ano, a advogada de Flávio disse à revista ÉPOCA que tinha recebido relatórios de inteligência diretamente de Ramagem sobre o caso. A Abin negou, na ocasião, que os documentos eram oficiais, mas admitiu que houve a reunião com a defesa do filho do presidente. Em entrevista ao GLOBO em 2022, o sucessor de Ramagem na chefia da Abin, Victor Felismino Carneiro, disse que o encontro “foi uma consulta”.

Em nota, o senador disse ser “mentira” que a Abin tenha o favorecido e classificou o caso como “tentativa de criar falsas narrativas para atacar o sobrenome Bolsonaro”.

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