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A HORA DA JUSTIÇA

UM ANO APÓS ATAQUE, STF PUNE EXECUTORES, MAS TEM DESAFIO DE ENQUADRAR MENTORES

DANIEL GULLINO daniel.gullino@bsb.oglobo.com.br BRASÍLIA (Colaborou Mariana Muniz)

Um ano após os ataques golpistas de 8 de janeiro, o Supremo Tribunal Federal já condenou 30 pessoas por participação nos atos e deve concluir até abril o julgamento da maioria dos executores. Ao todo, a PGR já apresentou 1.413 denúncias, quase todas por incitação ou execução. Já em relação aos financiadores e a autoridades, as investigações patinam. Apenas um patrocinador foi denunciado, e inquéritos contra deputados federais estão parados. A PGR ainda avalia a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Um ano depois dos atos golpistas do 8 de Janeiro, as condenações ainda estão restritas aos executores, que foram presos durante os ataques às sedes dos três Poderes. Apesar de avanços nas investigações da Polícia Federal (PF) e da Procuradoria-Geral da República (PGR), persistem as dificuldades de elevar a escala de responsabilizações e alcançar os financiadores, autores intelectuais e autoridades que foram omissas no episódio.

Até agora, o Supremo Tribunal Federal (STF) já condenou 30 pessoas por participação nos atos, todos do grupo que participou diretamente das cenas de vandalismo e ataque à democracia. As penas aplicadas vão de três a 17 anos de prisão. Outros 29 réus estão com o julgamento virtual em curso, com encerramento em fevereiro. Há voto favorável do relator, ministro Alexandre de Moraes, pela condenação.

O Judiciário brasileiro, neste momento, avança em relação aos incitadores, aqueles que foram presos no acampamento montado em frente ao Quartel-General do Exército. Para eles, no entanto, existe a possibilidade de um acordo, já homologado para 38 pessoas. Neste tipo de tratativa, os acusados reconhecem o crime, mas não são presos ou processados. Os acordos de não persecução penal têm como penas a imposição de multas e a necessidade de fazer cursos sobre democracia.

Ao todo, a PGR já apresentou 1.413 denúncias, a maioria por incitação (1.156) ou execução (248). Também há oito denúncias por omissão de agentes públicos, sendo sete delas contra integrantes da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal.

A acusação mais recente, formalizada em dezembro, foi a primeira contra um financiador dos atos. O alvo é um morador de Londrina (PR) que fretou quatro ônibus para o transporte de pessoas a Brasília.

Das cerca de duas mil pessoas detidas após o ataque aos três Poderes, 70 seguem presas. Entre elas, oito foram condenadas e 33 aguardam julgamento pelo Supremo.

Para além das prisões iniciais, feitas nos dias 8 e 9, uma das principais frentes de investigação foi a Operação Lesa Pátria, que teve 22 fases no ano passado e segue em curso. Foram cumpridos 91 mandados de prisão e 392 de busca e apreensão, e os alvos incluem pessoas que participaram da invasão, suspeitos de financiamento e de incitação e até PMs acusados de omissão.

BUSCA POR MENTORES

As apurações contra autoridades tiveram menos avanço. O ex-presidente Jair Bolsonaro passou a ser investigado por ter divulgado, dois dias depois dos atos, um vídeo com ataques infundados ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em dezembro, a PGR afirmou que precisava da gravação para apresentar uma denúncia. O vídeo foi deletado por Bolsonaro, mas o órgão avisou que conseguiu recuperá-lo. Entretanto, ainda não informou se haverá denúncia ou não.

As investigações contra o ex-mandatário foram reforçadas pela delação do seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que narrou a participação de Bolsonaro em uma reunião para discutir um possível golpe e também na elaboração de um decreto golpista. A PF e a PGR tentam confirmar os relatos em apuração que ocorre em sigilo.

Enquanto isso, os quatro inquéritos abertos para investigar deputados federais por possível incitação dos atos golpistas do 8 de Janeiro sofrem um impasse há meses. Em três deles, a Polícia Federal considerou que houve crime, mas a PGR discordou e pediu arquivamento: os casos envolvem André Fernandes (PL-CE), Clarissa Tércio (PP-PE) e Silvia Waiãpi (PL-AP). No caso de General Girão (PL-RN), a PF viu crime, mas a PGR ainda não se posicionou. Os quatro negam as acusações.

Já a denúncia apresentada sobre a cúpula da PM-DF, que também foi presa pela suspeita de omissão, ainda não foi analisada pelo STF. O governador Ibaneis Rocha, que chegou a ser afastado, e o ex-ministro e ex-secretário Anderson Torres, que foi preso, não foram alvo de nenhuma denúncia até o momento, mas seguem sob investigação.

Em paralelo às investigações da PF e da PGR, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aprovou em outubro um relatório com pedido de indiciamento de 61 pessoas, entre elas Bolsonaro. O documento foi entregue a diversos órgãos de controle, como a PGR, mas ainda está sob análise e teve poucas consequências práticas.

No início de novembro, o subprocurador Carlos Frederico dos Santos, que na época comandava as apurações do 8 de Janeiro, pediu acesso a documentos sigilosos obtidos pelo colegiado. Após a posse de Paulo Gonet no comando da PGR, Santos deixou a linha de frente das investigações dos atos golpistas, tarefa que agora caberá ao próprio Gonet e ao vice-procurador-geral, Hindenburgo Chateaubriand. Antes de deixar o posto, Santos disse ao GLOBO que o material da CPI poderia ser usado para corroborar fatos apresentados na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid —os depoimentos foram homologados pelo STF.

—Vamos continuar investigando episódios que aconteceram antes e depois para entender se há relação com esses eventos e, quem sabe, chegar até a autoria intelectual —afirmou o subprocurador em novembro.

PRIMEIRA FASE: FIM EM ABRIL

Na Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, o titular do órgão, determinou a abertura de procedimentos para apurar se os alvos do relatório da CPI podem ser responsabilizados na área cível por dano ao patrimônio público.

Relator de todos os inquéritos do 8 de Janeiro, Alexandre de Moraes prevê concluir até abril o julgamento da maioria dos executores, com sessões a cada semana no plenário virtual.

— A cada semana serão julgadas 12 ações penais, e nós devemos terminar os julgamentos de todos os executores em meados de abril —afirmou o ministro ao GLOBO. — As instituições investigaram, estão punindo e em momento algum deixaram de funcionar.

Após os três primeiros julgamentos terem sido realizados em setembro de forma presencial, os demais estão sendo feitos no plenário virtual, sistema no qual cada ministro deposita seu voto e não há debate direto entre eles. O modelo causou reclamações das defesas, mas é defendido pelos ministros pela agilidade.

As denúncias da PGR já julgadas listam cinco crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, associação criminosa armada, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado. Das 30 pessoas já condenadas, 27 foram consideradas culpadas das cinco imputações.

Em paralelo, nos Estados Unidos, um ano após o ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, 70 réus já tinham sido condenados. Agora, três anos depois, segundo levantamento divulgado pelo jornal The New York Times, 720 pessoas foram condenadas ou assinaram acordo e passaram a cumprir pena, das quais 450 estão na prisão, enquanto só duas foram totalmente absolvidas.

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