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Jesse Armstrong: Criador de ‘Succession’ diz que interesse por influência de bilionários na sociedade alavanc

CRIADOR DE ‘SUCCESSION’ AVALIA ENCERRAMENTO DA SÉRIE, REVELA OS MOMENTOS QUE MAIS O EMOCIONARAM E ANALISA AS INFLUÊNCIAS DE SHAKESPEARE E DONALD TRUMP NA TRAMA

TALITA DUVANEL talita.duvanel@oglobo.com.br

Oroteirista britânico Jesse Armstrong passou a virada do último domingo para segunda na sede do British Film Institute, em Londres, cercado de fãs da série “Succession”, que pagaram 24 libras (cerca de R$ 150) para ver o episódio final ao seu lado. Criador do drama sobre a dinastia Roy, ele pode acompanhar de perto a reação da plateia à reunião de acionistas que tirou da família o controle do conglomerado de mídia, então vendido a um bilionário da tecnologia sueco.

Armstrong conta que saiu do encontro com a impressão de missão cumprida.

—Acho que fizemos um bom final: foi natural e nos pareceu correto —diz o autor de 52 anos, em entrevista exclusiva ao GLOBO por telefone na manhã de ontem.

Indicado ao Oscar de melhor roteiro adaptado por “Conversa truncada”, em 2010, Jesse começou a rascunhar “Succession” ainda antes, em 2008, quando escrevia para a sitcom britânica “Peep show”. Inicialmente, seria explicitamente sobre Rupert Murdoch, o dono da News Corp, controladora da Fox News. Depois, conforme se embrenhava na biografia de outros barões da mídia, como Sumner Redstone e Robert Maxwell, começou a ganhar corpo o magnata Logan Roy (Brian Cox).

A HBO abraçou o projeto e, em 2016, escreveu o piloto. O resto é história, que terminou no último domingo sob aplausos do público e elogios da crítica — e que Armstrong rememora a seguir, com direito a esclarecimentos sobre o desfecho da trama.

Como se sentiu assistindo ao episódio final com plateia?

Pela reação dos fãs no British Film Institute, tive a sensação de que entregamos o que eu esperava. Mas fiquei mais envolvido emocionalmente quando assisti aos primeiros cortes do editor e do diretor, Mark Mylod. Estar na sala de edição é um trabalho bem técnico, você normalmente deixa as emoções de lado. Mas, quando escutei o piano da trilha de Nicholas Brittel e vi algumas das imagens finais, fiquei muito emocionado. Britell é um gênio, contribuiu demais.

Quando o senhor bateu o martelo sobre o final ?

Antes mesmo de fazermos a terceira temporada (que foi ao ar em 2021), pensei: “acho que a próxima vai ser a última”. Tive a sensação de que sabia várias coisas, mas esperei chegarmos à sala de roteiro e discutirmos a quarta temporada e uma conclusão final. Sou showrunner (o mais importante entre os produtores de uma série), mas tenho colaboradores. Sempre estive aberto a conversas, especialmente com meus colegas roteiristas, mas também com o elenco e os produtores executivos. Tomo muitas decisões, mas elas não são finais.

Desde a primeira temporada, comenta-se a influência de William Shakespeare na série. A peça “Rei Lear” foi, inclusive, citada como inspiração para o final, com o menosprezado genro do “Rei” assumindo o “trono”. O quanto, de fato, o senhor foi influenciado por essas histórias?

Gosto muito de Shakespeare, mas não sou um grande estudioso, não sei as obras pelo avesso. Mas conheço bem algumas. O que uso dele são fragmentos ou versos, pequenos momentos, em vez de tomar emprestado a estrutura de uma peça. Obviamente, a partir do momento em que você tem a figura de um “rei” preparado para passar o reino, como Logan Roy, se você conhece Shakespeare, sabe que se parece com “Rei Lear”. Tenho consciência, mas não estamos, como algumas outras obras, tecendo uma história dentro de outra. Não pensei: “O.K., conscientemente irei em direção a um final de ‘Rei Lear’ ou de outra peça”.

O método de atuação de Jeremy Strong, que viveu Kendall Roy, foi bastante comentado. Li que ele tentou pular no rio depois da cena final, de tão conectado ao personagem. Como lidou com esse estilo de imersão total dele?

Aquele momento foi tenso

(risos). Nós não tínhamos os equipamentos de segurança necessários que deveríamos ter se soubéssemos que aquilo iria acontecer. Foi preocupante. Mas, no geral, não era um problema para mim. Ninguém me fala como escrever, então não vou dizer a ninguém como atuar. O que ele faz funciona bem, e eu apoio todos os atores em qualquer coisa que eles precisem para suas interpretações.

Houve algum personagem que o surpreendeu e acabou se tornando maior do que o senhor que havia pensado?

Sempre gostei do Tom (Matthew Macfadyen) e soube que ele estaria envolvido nos negócios. Mas apenas na segunda temporada notei que aquele genro poderia ser um eventual sucessor. Tinha certeza de que a empresa seria dissolvida ou engolida, que não seria mais da família, e percebi que quem poderia tomar conta dela seria alguém que já conhecíamos. Tom caminhou nesse sentido.

Quais foram os momentos mais emocionantes de escrever e assistir?

Definitivamente, o episódio três da quarta temporada, quando Logan morre. Chorei ao escrever a cena em que Shiv diz “adeus, papai” ao telefone. Estava com lágrimas nos olhos. Na filmagem, eu não podia acreditar quão bons atores eles eram. Foi a coisa mais excepcional de se escrever e assistir.

Por que a série fez tanto sucesso? Por que engajamos tanto com essa família bilionária e inescrupulosa, especialmente numa época de tanto crescimento de desigualdades?

Algumas pessoas comentam que o programa tem uma visão niilista e amarga da natureza humana. Talvez tenha, mas eu não sou niilista, sou bem otimista, confio nas pessoas. Você dá a elas uma série e confia para que tomem as próprias decisões sobre o que viram. Gosto de pensar que o programa entregou isso: há muitas formas de olhar, não existe um jeito simples. Sobre esse cenário de crescimento de desigualdades e a curiosidade pela série, significa que estamos menos interessados nesses bilionários em si e talvez mais em como eles conseguiram suas riquezas, como as mantêm e como a sociedade se organiza em torno dessas pessoas.

A série começou no período Trump, Brexit e recrudescimento da extrema direita no mundo. Acredita que ela faria sucesso em outro momento?

Talvez não. E provavelmente não teríamos escrito o mesmo programa. O ensaio do primeiro episódio aconteceu no dia em que Trump foi eleito, e boa parte de “Succession” se deu nessa presidência. Mas claro que não foi só ele, foi todo um contexto americano.

No último capítulo, Shiv votou contra o irmão Kendall, impedindo que ele se tornasse CEO da empresa da família após a morte do pai. Por que ela fez isso?

Prefiro que as pessoas tirem suas conclusões. Mas, já que a série acabou, não me importo de dizer o que penso. Não foi nenhum cálculo do tipo: “vai ser uma posição melhor para mim”. Foi simplesmente uma sensação visceral de revirar o estômago por causa daquela competição que o pai sempre incentivou, na qual quem vencesse carregaria também o amor dele. Tinha esse significado extra descomunal. E ela não podia ver o irmão vencer.

De certa maneira, Shiv liberta os irmãos Kendall e Roman, pois todos saem da empresa?

De novo, prefiro deixar para a imaginação de cada um. Essas pessoas podem ser felizes? Não sei. Sei que é bem difícil ser um monarca, ou alguém muito poderoso, e não deixar que isso domine sua vida. Veja a família real britânica, toda essa coisa do príncipe Harry (risos). O poder é muito complicado, e acho difícil para pessoas que vêm de famílias poderosas terem boas relações com a relevância que seus nomes carregam.

Você leu a entrevista em que Brian Cox disse que Logan morreu precocemente? O que achou dessa fala?

Tendo a ficar um pouco longe dessas coisas, mas soube (risos). Foi uma decisão difícil. Pessoalmente, achei a estrutura da temporada acertada, mas o tempo dirá. Talvez pudéssemos ter ficado com ele um pouco mais. Eu teria adorado. Certamente, ele não morreu porque eu não gostava do personagem ou não valorizava a atuação. Só achei que precisávamos ver o que aconteceria com aquelas crianças na ausência dele.

Por que a água está sempre presente em cenas-chave de Kendall, do acidente na primeira temporada a ele desoladamente encarando o Rio Hudson no episódio final?

A água, nas religiões e em contextos culturais, tem diferentes significados: de batismo, de purificação, de lavagem dos pecados. Mas é também algo de que precisamos, de que tememos. É um daqueles símbolos na arte e na literatura que serve para várias coisas e faz isso também na série.

O que o senhor tem em vista para o futuro?

Amo muito essa série, estou triste que acabou. Vou mergulhar nos podcasts, matérias e ver o que as pessoas acharam. Acho que fizemos um bom final, foi natural e nos pareceu correto. Vou tirar um tempo para pensar, mas não vou mergulhar em nada novo. Tenho algumas ideias, mas vou descansar.

Sabia que a série é um sucesso nas redes sociais no Brasil?

Não sabia. Às vezes, quando olho o Twitter, vejo que há algumas postagens e tenho uma noção de que são do Brasil, mas nunca sei exatamente o que significam. Fico feliz em saber que as pessoas gostam.

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