Ioga é muito mais que exercício

Diz uma lenda indiana que Gonika se banhava em um rio quando juntou as mãos em forma de prece e pediu ao deus Sol que lhe desse um filho cheio de glórias. O Sol, que admirava Gonika por sua bondade e compaixão, pediu à sábia serpente Shesha ou Ananta que fosse para a Terra ser o filho dela. Shesha virou uma pequena cobra, se instalou entre as palmas unidas de Gonika e em seguida se transformou em um bebê sorridente. Encantada com o resultado de sua prece, Gonika chamou o filho de Patanjali.

“Pata” quer dizer que caiu e “anjali”, mãos em forma de prece.

Patanjali viveu por volta do ano 200 antes de Cristo e, num tempo de transmissão de conhecimentos por via oral, foi o primeiro a estruturar uma gramática escrita do sânscrito, língua falada onde vivia; a escrever sobre a medicina ayurvédica e a organizar o Ioga Sutras de Patanjali, 196 dizeres que resumem o que é ioga. Naqueles anos, a prática de ioga já era largamente difundida na região em que está a Índia e dizia-se que o primeiro iogi era Lord Shiva, deus do tempo, da medicina, da transformação de trevas em luz, entre outros atributos.

Ioga significa união ou unir-se e segundo os dizeres de Patanjali é uma prática que pretende aquietar a mente das distrações para que possamos nos unir a Deus. A pratica da ioga vai bem além dos exercícios (asanas). Também pressupõe ter compaixão, ser gentil e atento, não buscar as falhas alheias e tentar o tempo todo ser sua melhor versão. Os escritos pedem atenção para as armadilhas que o praticante vai encontrar: ignorância, raiva, apego e se achar muito importante.

Patanjali enumerou os oito princípios ou passos da ioga: 1) Yama, ou os princípios universais, que são a não violência, a verdade, não roubar, o autocontrole, evitar o desperdício. 2) Niyama, ou hábitos, que são a limpeza, o contentamento, o verdadeiro esforço, o autoaprendizado e a fé em Deus. 3) Asanas, ou a prática dos exercícios físicos. 4) Pranayama, que significa o controle da respiração e também inclui práticas. 5) Pratyahara ou o controle dos sentidos (gosto, toque, cheiro, visão e audição). 6) Dharana, ou concentração. 7) Dhyana, ou meditação. 8) Samadhi (ou kaivalya), que seria a felicidade, o êxtase, a alegria, a bem-aventurança de encontrar Deus.

Uma outra lenda diz que um iogi acordou, varreu a casa, fez suas práticas, encontrou Deus, alimentou-se, cuidou da família, dormiu e no dia seguinte fez tudo do mesmo jeito. Ou seja, ser iogi é algo constante e deve ser inserido na simplicidade da rotina diária. E levado pela vida toda como o assunto da coluna passada.

Acredita-se que o interesse pela ioga chegou ao mundo ocidental no final da década de 1890, quando o indu Swami Vivekananda visitou a Europa e os EUA. As aulas com posturas como o cachorro olhando para baixo e outras tantas ficaram populares na década de 1960. Sobre as posturas há também a lenda de que a cada postura que Shiva fazia surgia uma espécie sobre a terra. Consta que ele fez 84 mil poses. Desde os escritos de Patanjali até agora muitas escolas e linhas de prática se desenvolveram. Hatha, vinyasa, iyengar, ashtanga, yin-yoga, hot yoga, super yoga, kundalini yoga são algumas delas ministradas em milhares de endereços espalhados pelo Brasil e pelo mundo.

Tive contato com as histórias que reproduzi aqui numa aula longa de iyengar ioga com minha professora Emmanuelle de la Lubie. Parte delas traduzi livremente do livro “Yoga for Children” (Ioga para crianças) de Swati e Rajvi Chanchani, que ela usou para introduzir a prática naquela manhã. Num dia em que eu estava egoísta, raivosa e reclamona essas palavras foram como um raio de sol e me fizeram rir de mim mesma, honrar minhas conquistas, me esforçar para ser e praticar melhor e me alegrar por estar agora nesse mundo.

A ioga vai além dos exercícios. Pressupõe ter compaixão, ser gentil, não buscar as falhas alheias e tentar ser sua melhor versão