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Câmara aprova MP, após ultimato de Lira ao governo

Lula atua, e Planalto libera valor recorde em emendas para manter ministérios

ALICE CRAVO, CAMILA TURTELLI, GABRIEL SABÓIA, JENIFFER GULARTE, LAURIBERTO POMPEU E SÉRGIO ROXO politica@oglobo.com.br BRASÍLIA (Leia mais na página 5)

Num dia de crise política em ebulição, o governo conseguiu uma vitória na noite de ontem ao ver a Câmara aprovar, com 337 votos, a medida provisória de reorganização dos ministérios. Houve tensa negociação desde a manhã, quando Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira, conversaram por telefone. Na véspera, o governo havia liberado o valor recorde, para um mesmo dia, de R$ 1,7 bilhão em emendas. Ainda assim, Lira atacou o governo em tom de ultimato ao chegar à Câmara, dizendo que eventual aprovação, como ocorreu, seria um “último crédito” dos deputados ao Planalto. O Senado votará hoje a MP.

Em meio ao acirramento da crise entre o governo e o Congresso, os deputados aprovaram ontem a Medida Provisória que define o organograma do Executivo federal. O placar de 337 votos a favor da proposta e 125 contrários a ela veio como um alívio momentâneo para o Palácio do Planalto no final de um dia em que o tensionamento com o Legislativo atingiu a temperatura mais alta desde o início do governo. Mais cedo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), subiu o tom das críticas públicas, falou em “insatisfação generalizada” e se queixou diretamente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva da articulação política feita pelos aliados do petista.

Os recados foram dados enquanto o Planalto corria para conter danos e tentar manter o conteúdo da MP, que já havia sido alterado com o esvaziamento de pastas como a do Meio Ambiente. O texto, que é válido apenas até hoje, ainda precisará passar pelo Senado. Caso contrário, voltará a vigorar a estrutura ministerial deixada por Jair Bolsonaro. Em paralelo, a gestão federal liberou um recorde de emendas parlamentares na terça-feira, antes da votação da proposta.

Ao término da votação da MP, Lula ligou para o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), para comemorar a vitória. O deputado avalia que o resultado positivo não pode esconder falhas de articulação.

—O governo tem consciência do tamanho dos problemas, das deficiências, da lentidão nas entregas, da lentidão dos compromissos políticos na liberação das emendas, dos compromissos de nomeação do segundo escalão, é um conjunto de coisas, mas todo mundo teve espírito público muito grande —observou.

Emparedado pela falta de prazo e sem uma base fiel no Congresso, o Planalto praticamente abriu mão de reverter no Parlamento o esvaziamento de ministérios e passou a apoiar o texto de autoria do relator da proposta, o deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL). Ainda assim sofreu um revés: os parlamentares aprovaram a volta da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que havia sido extinta.

Aliados de Lula defendem que, superada a etapa do Congresso, ele lance mão de decretos e portarias para organizar o funcionamento de órgãos que foram transferidos de pastas. A hipótese de veto presidencial ao relatório também foi afastada, já que o efeito seria igual ao de deixar a MP expirar, restaurando a configuração da Esplanada de Bolsonaro. Na semana passada, ao apresentar o parecer que foi aprovado em colegiado, o relator teve o aval do Planalto.

CRÍTICAS PÚBLICAS

O resultado conseguido no plenário não aplaca a crise com o Parlamento. Pela manhã, Lira se reuniu na sua residência oficial com líderes e recebeu o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Na sequência, falou com Lula ao telefone. Na conversa, segundo interlocutores do parlamentar, o deputado reclamou de dificuldades na articulação do governo —havia a expectativa de um encontro entre os dois, o que não ocorreu. Em paralelo, um plenário esvaziado recebia deputados que discursavam sobre outros temas. Lira só chegou à Câmara no início da noite, momento em que reiterou que vem fazendo alertas sobre “inação, a falta de pragmatismo e de atendimento” do Planalto.

—Há insatisfação generalizada de deputados, talvez dos senadores, com a falta de articulação política do governo, não de um ou outro ministro. Se o resultado não for de aprovação, a Câmara não deverá ser responsável pela falta de organização do governo. O presidente da Câmara ajuda, mas não é líder de governo ou da oposição —afirmou Lira antes da votação.

O chefe da Casa acrescentou ainda que os resultados que o governo já colheu, como no caso da aprovação do arcabouço fiscal, ocorreram em função do apoio das legendas “de oposição e independentes”, não da base:

—Vamos ver se a Câmara dará mais uma vez crédito ao governo. Não se

trata de uma > que havia sido extinta por uma medida provisória (MP). Os deputados aprovaram um destaque a uma outra MP, a da reestruturação ministerial, que ainda precisa ser confirmada pelo Senado. > matéria de vida ou morte para o país, é de organização para o governo. Se der certo, parabéns. Se não der, acho que há outras maneiras de estruturar.

O tom da declaração foi o mais elevado de uma série de alertas e escancarou as fissuras na relação. Em março, Lira afirmou que o governo ainda não tinha uma “base consistente” na Câmara e no Senado. No fim de abril, ironizou Padilha, a quem classificou de “um sujeito fino e educado, mas que tem tido dificuldades”.

ARTICULAÇÕES

O cronograma do dia deixou explícito o momento delicado pelo qual passa o governo. Lula não foi ao Planalto de manhã e convocou para o Palácio Alvorada uma reunião de emergência com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha e o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PTCE). O encontro ocorreu horas após uma nova derrota em plenário, no marco temporal das terras indígenas, em que partidos como o MDB, PSD e União Brasil, que comandam ministérios, deixaram, mais uma vez, de entregar os votos a favor do governo.

Ontem, enquanto aguardava no plenário a votação da MP, o líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR), também fez críticas e disse que falta ao governo dar celeridade no aten> dimento das demandas dos parlamentares.

—Em tudo. Uma agenda de um ministro que vai para um estado, a nomeação de alguém do terceiro escalão, passando pela liberação de uma emenda, chegando até um projeto de lei que às vezes aparece sem ninguém estar sabendo bem, ou um anúncio que um ministro faz de uma solução do governo que nem o Lula sabe —listou.

No meio das turbulências, interlocutores relataram que o presidente passou o dia particularmente irritado. Por volta das 20h30m, Padilha deixou o gabinete presidencial e se dizia confiante. Uma ofensiva para “virar votos”, com a ida de aliados à Câmara, foi turbinada de última hora.

O entendimento do governo é que Lira usou a votação para tentar recuperar o controle da liberação de recursos a deputados, como ocorria sob Bolsonaro (PL). A gestão petista diz que não vai ceder, mesmo que eventualmente a MP seja derrubada no Senado.

Aliados de Padilha afirmam que Lira tentou forçar, ao longo do dia, um encontro com Lula com o objetivo de tirar o poder do ministro responsável pela articulação política. Integrantes do governo dizem que as emendas estão sendo liberadas, mas reconhecem que houve demora para as nomeações de cargos.

Contrariando o governo, a Câmara aprovou a recriação da Fundação Nacional da Saúde (Funasa),

O governo havia redistribuído as funções do órgão entre os ministérios das Cidades e da Saúde. Caso os senadores confirmem a votação da Câmara, a Funasa volta a existir e fica vinculada apenas ao Ministério da Saúde.

O órgão é conhecido pelo loteamento político e até o fim do governo de Jair Bolsonaro era dominado pelo PSD. Além do comando nacional, as superintendências regionais costumam ser escolhidas por indicações

políticas. Além do PSD, alas de partidos como PP e União Brasil tinham interesse em retomar a estrutura. Na Câmara, o governo cedeu e liberou a base para votar como desejasse em relação à Funasa.

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