Infoglobo

Reforma tributária e futurologia

ROBERTO ROCHA E SÉRGIO ROSA

Areforma tributária encabeçada pelas PECs 45/2019 e 110/2019, se aprovada, promoverá uma revolução não só no sistema tributário, como também no funcionamento da economia do país. Para melhor compreender a dimensão das mudanças, basta ver que no modelo atual há cinco tributos. Três são de competência da União, os dois restantes de estados e municípios. Com a reforma, os cinco serão substituídos por um único, cujo fato gerador abrangerá todos os eventos que hoje dão lastro à arrecadação dos entes federados.

Fato gerador é o evento que cria a obrigação, para uma empresa ou pessoa física, de pagar um tributo ou fornecer aos órgãos fiscalizadores informações. Cada tributo tem o seu próprio, distinto dos demais. No caso dos tributos internos sobre o consumo, o IPI tem como fato gerador a saída de produto do estabelecimento industrial. Para o PIS/Cofins é a apuração do faturamento, ao passo que o evento para o ICMS é a circulação de mercadoria e prestação de serviço. Por fim, o fato gerador do ISS é a prestação de serviço, por pessoa física ou jurídica. Dos cinco fatos geradores, dois têm natureza contábil (PIS/Cofins), dois natureza econômica (IPI e ISS) e um natureza logística (ICMS). Na reforma, os eventos distintos serão substituídos por um abrangente de natureza econômica: o valor adicionado.

Em razão da discrepância conceitual, qualquer projeção estatística, ainda que criteriosa e amparada em instrumentos científicos, elaborada para discutir eventuais perdas ou ganhos com a mudança não passa de instrumento para alimentar a guerra de planilhas, em que cada segmento tem seus números e suas projeções. Por conseguinte, quem defende a reforma tributária sabe que essa é uma batalha perdida na retórica, por isso evita entrar nessa bola dividida. No Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) que será introduzido com a reforma, se um produtor ou prestador de serviços compra insumos por R$ 10 e os vende por R$ 15 para a etapa seguinte do processo produtivo, o fato gerador que cria obrigação para ele será o valor adicionado, R$ 5, independentemente do bem ou dos serviços em questão. Ao final da produção, em única ou mais de uma fase, o consumidor final pagará por toda a cadeia de tributos, e os produtores/prestadores se creditarão integralmente o montante desembolsado nas etapas anteriores.

A falta de equivalência entre os eventos analisados constitui, sem sombra de dúvida, a maior dificuldade enfrentada para realizar projeções seguras. Outra, igualmente intransponível, é a falta de clareza entre a fronteira do que seria, nos tempos modernos, mercadoria e serviço, fato que hoje gera enormes disputas administrativas e judiciais. Uma terceira dificuldade, também insuperável, será o realinhamento generalizado de preço na economia que a introdução do IVA promoverá, em razão da alíquota isonômica para todos os bens e serviços, ao contrário das alíquotas múltiplas de hoje.

Na prática, quando um consumidor compra um bem, paga sobre pelo menos quatro camadas de tributo, ao passo que com o IVA haverá apenas um fato gerador e um tributo. Em síntese, não há relação consistente entre os atuais tributos e o IVA capaz de permitir comparação razoável para um debate profícuo. Qualquer discussão com números que visa a comparar o atual sistema com o IVA não passa de um exercício de futurologia, em que se sabe de antemão que nenhum setor perderá, mas cada um está de olho no eventual ganho dos demais.

Falta de clareza quanto ao que seria mercadoria e o que seria serviço gera disputas administrativas e judiciais

Roberto Rocha, ex-senador, é relator da PEC 110/19, Sérgio Rosa é especialista em políticas públicas e gestão governamental

Opinião

pt-br

2023-06-01T07:00:00.0000000Z

2023-06-01T07:00:00.0000000Z

https://infoglobo.pressreader.com/article/281638194588712

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.