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Lula não põe em prática governo de união nacional

MERVAL PEREIRA

Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega. Nada melhor para definir a situação política do governo hoje que o título da peça de Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar, de 1966. Não havia saída. A decisão da Câmara, já tomada, de alterar a estrutura organizacional imaginada pelo presidente eleito é um duro golpe político, uma intromissão indevida que deveria ser contestada no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas Lula não tem apoio político para tanto.

Obrigar um governo de esquerda a se organizar dentro do conceito de extrema direita, esvaziando as políticas públicas do meio ambiente e indigenista, fazendo desaparecer ministérios como Planejamento e Cultura, já é uma sublevação, negação do que o eleitorado de centro democrático aprovou nas urnas, embora por pequena margem, que sugeria que o governo saído dela fosse de união nacional.

Não é —e por culpa de Lula. O Congresso está, como sempre esteve, no conservadorismo. Ao contrário, o governo montado até agora é um simulacro de união nacional, na verdade uma hegemonia da esquerda, principalmente do PT. Enquanto os partidos de centro-direita reagem rejeitando as políticas esquerdistas, mesmo as necessárias como as ambientais, o governo acelera na direção da esquerda, e a distância entre os espectros políticos se amplia.

O governo Lula não está agindo com presteza para aprovar suas teses no Congresso; só se preocupa quando perde. A negociação do marco temporal deveria ter sido feita há muito tempo, especialmente depois da derrota das políticas indigenistas. Não quer dizer que a disputa se dê apenas no campo ideológico, mas esse fator é a grande diferença entre Lula 3 e Lula 1 e 2. Naquele tempo em que Lula era quase imbatível, os partidos de centro ou centro-direita se contentavam com as migalhas do mensalão e do petrolão. E que migalhas.

Hoje continuam querendo as migalhas milionárias das emendas e fundos financeiros, mas querem mais. Acostumaramse a definir as políticas públicas durante o período em que Bolsonaro rendeu-se à maioria de que sempre fez parte: o Centrão. Bolsonaro tentou fazer política pessoal, jogando seu prestígio contra as estruturas partidárias, e deu com os burros n’água. Docemente constrangido, aderiu ao que era seu passado político no baixo clero e dedicouse apenas a montar um golpe ditatorial.

Lula gostaria de controlar as emendas parlamentares, controlando assim o Congresso, e de cuidar de um governo com fortes cores de esquerda. Uma das queixas dos líderes rebelados contra o governo é que as emendas são negociadas individualmente, assim como Bolsonaro tentou negociar com “bancadas suprapartidárias”, esvaziando as lideranças. O resultado está aí.

Na Câmara, toda vez que quer negociar, o governo tem de dar algo em troca. Quanto mais difícil a aprovação, mais caro fica. Os deputados estão emparedando o governo e não querem conversa. Os dois lados estão assim. Se Lula tivesse feito realmente um governo de união nacional, de forças partidárias equivalentes, esse problema não estaria acontecendo.

O Congresso está claramente resolvido a aprovar só o que considera de interesse do país, como fez com o arcabouço fiscal, mas, quando a disputa é ideológica, vence a direita, que domina o debate. Cada vez que Lula mexe com ideologia, como aconteceu dias atrás na vergonhosa recepção ao ditador venezuelano Nicolás Maduro, mais atiça a direita no Congresso, que mostrará força para derrotar o governo.

A direita, que tinha vergonha de existir quando Lula e Dilma governaram, agora não tem mais. Foi avançando com Temer e fez um strike com Bolsonaro, sem possibilidade de controle. Lula só ganhou a eleição porque o eleitorado de centro se decepcionou com Bolsonaro. Na campanha, fez discurso de união nacional, que não acontece. Com isso, está perdendo o apoio do centro democrático.

Na campanha, Lula fez discurso de união nacional, que não acontece. Com isso, está perdendo o apoio do centro democrático

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2023-06-01T07:00:00.0000000Z

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