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A variação e a desconstrução

CARLOS EDUARDO MANSUR Twitter: @carlosemansur esporteglb@oglobo.com.br

Pelo quarto ano seguido, Flamengo e Fluminense vão decidir o Campeonato Carioca. Mas, ao menos antes de a bola rolar, o que se apresenta é uma final diferente das anteriores: pela primeira vez, o investimento elevado e a concentração de talentos já não parecem suficientes para criar a percepção, familiar nos últimos anos, de que o favoritismo é rubro-negro. Ao contrário, é o Fluminense que tem transmitido melhores sensações nas últimas semanas.

A guinada nas expectativas reflete os caminhos que cada um dos times percorreu no recorte ainda curto desta temporada. As duas equipes passam por transformações, e este talvez seja o único ponto que as une. Porque o processo tricolor parece suave, e o rubro-negro, traumático.

O traço mais notável na grande exibição do Fluminense na semifinal foi como o time exibiu novos traços em seu jogo. A equipe que faz da bola a referência para que jogadores se aproximem e troquem passes curtos, o time de mobilidade em que os dois pontas e todos os meias podem se reunir num mesmo setor do campo, nada disso deixou de existir. Fernando Diniz não abandonou um modelo, mas usa o tempo que tem à frente do time para buscar variações.

Como no primeiro gol marcado sobre o Volta Redonda. No lance, Arias e Keno estão bem abertos, buscando fixar e atrair a marcação rival para espaçar a defesa do Volta Redonda, enquanto os laterais atacam pelo meio. Era um Fluminense preocupado em ocupar zonas do campo específicas, jogadores pisando espaços predeterminados. O time antes “aposicional”, como definira o próprio Diniz, agora pode migrar de estilo e se orientar não apenas em função da bola, mas em função do espaço a ocupar.

Pouco mais de 24 horas após a goleada tricolor, o Maracanã viveu o contraste. Claro que as circunstâncias de um clássico são peculiares, num nível de tensão que costuma impactar a qualidade do jogo. Ainda assim, o Vasco x Flamengo foi mal jogado, e classificou um Flamengo que também se transforma. Mas, no lugar de acrescentar armas a um time já estruturado, algo que seria natural numa equipe vitoriosa nos últimos anos, o rubro-negro vive quase uma reconstrução. Ou, antes dela, uma desconstrução.

Vítor Pereira tem menos de três meses no cargo. Na busca por equilibrar o Flamengo sem bola, fez mais do que adotar um sistema com três zagueiros: busca uma equipe mais vertical, que consiga ataques mais rápidos, com soluções pelos lados obtidas com a passagem dos alas.

Não há jeito certo de jogar futebol, e o Flamengo pode ser eficiente neste estilo. Por ora, no entanto, parece um time que que abandonou antigas virtudes e ainda não absorveu as novas. É curioso como o são cada vez mais raros os momentos em que os rubro-negros conseguem se aproximar pelo centro do campo, trocar passes e progredir, traço característico dos últimos anos. A vitória sobre o Vasco teve um único momento assim, o mais bonito do jogo, que terminou em chute de Gabigol. No mais, parece sempre um time predisposto a acelerar, e termina acumulando perdas de bolas. O resultado é curioso: uma equipe com tantos talentos, tantos jogadores que gostam da bola, com dificuldade de estabelecer controle, pausas. Mesmo em vantagem sobre o Vasco, permitia um jogo de idas e vindas. E abria espaços entre seus setores.

Nada disso significa dizer que o Fluminense será bicampeão carioca, nem que seu favoritismo seja descomunal. O Flamengo tem duas semanas livres para evoluir, e tem talentos que podem decidir. Mas, pela primeira vez em quatro anos, o tricolor chega à final com melhores credenciais.

Esportes

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2023-03-21T07:00:00.0000000Z

2023-03-21T07:00:00.0000000Z

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