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UMA FAMÍLIA DILACERADA

Pai, mãe e quatro filhos morrem em acidente no Arco Metropolitano

CAMILA ARAUJO, GIULIA VENTURA E ROBERTA DE SOUZA granderio@oglobo.com.br

Jhonatan e Letícia foram os primeiros namorados um do outro, ele com 17, ela com 15 anos. Ao longo dos últimos 17 anos, tiveram seis filhos: Christhian, Guilherme, Gabrielle, Isaque, Enzo e Larissa. Sempre estavam juntos, contam os parentes; onde um ia, todos iam. No último sábado, estavam a caminho de uma confraternização da família, quando uma carreta cruzou a Rodovia BR-493, em Guapimirim, na Baixada, e esmagou o carro em que estavam. Apenas Christhian, de 16 anos, e Guilherme, de 14, saíram com vida das ferragens e continuam internados. Ontem os pais e as quatro crianças foram enterrados no Cemitério Memorial Parque Nycteroy, em São Gonçalo. O motorista do caminhão, que não se feriu, vai responder por homicídio culposo.

A família havia saído de Magé no horário do almoço em direção à casa da irmã de Jhonatan, em Piratininga, na Região Ocêanica de Niterói. Os parentes estranharam a demora, e o pior temor veio pelo noticiário.

—Achamos o carro do acidente parecido com o deles. A Valéria (mãe de Jhonatan) foi até hospital para onde uma das vítimas foi levada e lá descobriu que era o neto. Ficamos em pânico. A família está dilacerada. Eles eram muito unidos —disse a tia de Jhonatan, Cláudia Assis.

COMO ESTÃO OS FERIDOS

A tragédia, se é que possível, pode ser ainda maior. O Hospital Estadual Alberto Torres, em São Gonçalo, informou ontem que realiza um protocolo para diagnosticar a morte encefálica de Guilherme. Já Christhian está internado em estado grave e segue entubado no CTI do Hospital Municipalizado Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias.

Jhonatan Guimarães Corrêa, de 35 anos, era calceteiro, e Letícia Gabrielle Fernandes de Lima, de 32, cuidava da casa e das crianças. Na despedida ontem, parentes e amigos fizeram um culto e cantaram hinos evangélicos.

— O que nós temos para guardar é o tempo que passamos juntos, as boas lembranças. É um momento que não dá para descrever; a dor da saudade das crianças, do filho, da nora. É Deus que está nos sustentando — disse a mãe de Jhonatan, Valéria de Assis Guimarães.

A bisavó das crianças, dona Avilar Marinho de Assis, relembrou o último momento em que estiveram juntos:

— Há 15 dias, nós fomos para a cachoeira. Nos divertimos muito. Quero guardar as coisas boas. Amo meus netos e meus bisnetinhos. Estamos todos de coração partido. Um vai dar força para o outro e orar a Deus pelos dois que estão no hospital, a gente vai dar muito amor e carinho para eles.

O trecho onde ocorreu o acidente é considerado muito perigoso por motoristas. A duplicação da BR-493 — o Arco Metropolitano —é uma novela que se arrasta desde 2010. As obras até começaram, mas ficaram pelo caminho em 2018. Numa avaliação feita pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), a pavimentação, a sinalização e a geometria das pistas no trecho entre Magé e Itaboraí foram consideradas ruins ou regulares (a escala vai de ótimo a péssimo). No ano passado, foram registrados pela entidade 207 acidentes com vítimas na estrada, com 15 mortes.

O delegado Antônio Silvino, da 67ª DP (Guapimirim), que investiga o caso, disse que o motorista da carreta perdeu o controle do veículo devido a um desnível da pista para o acostamento, que é mais baixo. Segundo ele, o exame de alcoolemia feito no condutor deu negativo. Em depoimento, o caminhoneiro — cujo nome não foi divulgado — disse que entrou um pouco no acostamento para dar passagem a uma outra carreta que vinha em sentido contrário —naquele trecho, a pista é estreita e não tem divisória.

—Ele bate com a roda traseira no acostamento, nesse declive que existe ali, e perde a direção. Ainda tenta segurar o veículo, que atravessa a pista e colhe o Gol de frente —disse o delegado.

DUPLICAÇÃO ATÉ 2026

A concessionária EcoRioMinas, que assumiu o Arco Metropolitano em setembro do ano passado, informou que fez reparos na via, porém não executou serviços de recapeamento onde houve o acidente. De acordo com a empresa, o contrato de concessão prevê que a via, por onde passam 12,5 mil veículos por dia, seja toda duplicada até 2026. Sobre o desnível citado pelo motorista da carreta, a concessionária não se manifestou.

Segundo Reinaldo Elias Teodoro, coordenador dos cursos de Engenharia Civil e Elétrica do Centro Universitário de Valença (UniFAA) e especialista em Transporte e Geotécnica, pelo vídeo que mostra o acidente fica evidente que o motorista da carreta perdeu o controle após passar por alguma “patologia” na pista.

— Em razão do tráfego intenso, o pavimento da rodovia pode ter cedido e sido ignorado. A estrutura que segura o peso dos veículos fica abaixo do asfalto e, em muitos casos, a reforma é feita apenas no asfalto, que fica bonito e liso, mas a parte da estrutura segue danificada —disse.

Presidente da Federação do Transporte de Cargas do Estado do Rio (Fetranscarga), Eduardo Rebuzzi afirma que as condições das rodovias brasileiras são precárias e todo tipo de desnível representa um risco enorme de acidentes.

Em nota, a Rodofly, empresa proprietária da carreta, informou que lamenta as vidas perdidas na colisão e que tem prestado ajuda aos parentes das vítimas. Afirmou ainda que o motorista, contratado há três anos, “retornava de uma viagem após ter cumprido o período de descanso determinado por lei”.

“Ele (o motorista da carreta) bate com a roda traseira no acostamento, nesse declive que existe ali, e perde a direção. Ainda tenta segurar o veículo, que atravessa a pista e colhe o Gol (carro da família) de frente”

Antônio Silvino, delegado da 67ª DP (Guapimirim)

Rio

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2023-03-21T07:00:00.0000000Z

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