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Tudo em todo lugar ao mesmo tempo

MARCELO NINIO sino.sfera MarceloNinio internacio@oglobo.com.br

A China virou uma potência econômica e tecnológica que rivaliza com os EUA, e Xi deu um papel central à diplomacia na ascensão do país

Ofilme mais premiado do Oscar, “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, que joga uma família de imigrantes chineses nos EUA numa sequência vertiginosa de universos paralelos, tinha tudo para estourar na China. Golpes de kung fu, discussões em mandarim e cantonês, escapismo high tech, drama familiar com final feliz — não faltam ingredientes para agradar em cheio à maior plateia de cinema do planeta.

Mas sabe-se lá por que, ele foi barrado pela censura e não chegou às telas do país. Nem por isso a mídia estatal deixou de destacar o inédito triunfo asiático em Hollywood. Pegando carona na estatueta de melhor atriz para Michelle Yeoh, o polêmico articulista Hu Xijin, do jornal Global Times, exaltou a vitória dos “genes culturais chineses”. Yeoh nasceu na Malásia, mas pouco importa: sua família tem origem na província chinesa de Fujian.

Sem vez nos cinemas do país, o título do filme campeão de Hollywood cabe bem para descrever a hiperativa política externa do governo chinês, que se intensificou sob a liderança de Xi Jinping. Depois que o megaprojeto de infraestrutura conhecido como a “nova rota da seda” passou a enfrentar percalços, Xi voltou-se para iniciativas globais que buscam ampliar a influência da China e oferecer uma alternativa aos padrões ocidentais.

A era Xi deu um ponto final ao famoso princípio defendido nos anos 1980 por Deng Xiaoping, o arquiteto da abertura econômica da China: “Esconda sua força, aguarde seu momento, jamais busque a liderança”. Os tempos mudaram, a China virou uma potência econômica e tecnológica que rivaliza com os EUA e tem hoje o líder mais poderoso e nacionalista desde Mao Tsé-tung. Embora o crescimento do poderio militar seja enfatizado por Xi na ascensão do país, a diplomacia ganhou um papel central.

A reabertura do país após três anos sob o isolamento autoimposto da política de Covid zero fez o governo chinês “pisar no acelerador” em sua política externa, nas palavras do novo chanceler, Qin Gang. Enquanto o aumento do orçamento militar para 2023 foi de 7,2%, parecido com o de 2022, as despesas com diplomacia crescerão 12,2%. Em 2019, a China tornou-se o país com mais representações diplomáticas no mundo, superando os EUA.

As iniciativas globais propostas por Xi sugerem um pacto em defesa de interesses comuns à Humanidade, como desenvolvimento, segurança e respeito à diversidade, mas a estratégia é remodelar a estrutura de poder mundial e atrair aliados. O modelo de governança chinês tem “os genes da cultura chinesa”, enaltece a mídia estatal, no mesmo vocabulário usado para celebrar o Oscar recebido por Michelle Yeoh.

Num passo além da abstração, o governo pegou de surpresa até diplomatas chineses ao intermediar a recente reaproximação entre Arábia Saudita e Irã, aventurando-se num território até aqui dominado pelo Ocidente. O acordo é mais um exemplo de que o interesse da China é “construir uma arquitetura de segurança que não siga a supremacia dos EUA”, disse à coluna Alexander Pevzner, especialista em China da Universidade de Tel Aviv.

Xi chega a Moscou com a aura da vitória diplomática obtida com o acordo Riad-Teerã. Um cessar-fogo na guerra da Ucrânia com a mediação de Pequim elevaria a diplomacia chinesa a um novo patamar. Mas o objetivo principal de Xi ao reafirmar a parceria com Moscou é o mesmo que move o crescimento da diplomacia chinesa: um mundo multipolar em que a China ocupe uma posição de liderança.

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2023-03-21T07:00:00.0000000Z

2023-03-21T07:00:00.0000000Z

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