Infoglobo

Federação de patrimonialismos

CARLOS ANDREAZZA blogs.oglobo.globo.com/carlos-andreazza/ ca.andreazza@gmail.com

Documento histórico em que encontrar a síntese do presidencialismo de alcolumbre, o arranjo que, tomando o lugar do de coalizão, ora define as relações entre Parlamento e governo. Refiro-me à entrevista de Elmar Nascimento à Folha de S.Paulo.

O deputado ficou conhecido ao discursar contra o governo Bolsonaro, em 22 de maio de 2019. O mais leve que disse: não teria palavra. Líder do DEM, acusou o Planalto de “procedimento canalha” no Parlamento. Falou que não tinha plantação de laranja e que não se escondia da Justiça. Era véspera de manifestação convocada pelo presidente —e ele denunciava apoiadores do governo na Câmara, então no PSL, que pregavam pelo fechamento do Congresso. Faltaria equilíbrio, moderação, àquela Casa.

De lá para cá, engenhou-se o orçamento secreto (o equilíbrio pela distribuição?), veio a ascensão de Lira (a moderação pelo trator?) e, tudo indica, a palavra (a gestão das emendas?) passou a ser cumprida; porque Nascimento fecharia com Bolsonaro, deixando de se incomodar com a pregação contra a República.

É hoje líder do União Brasil (estão lá os agentes radicalizados do finado PSL), a federação de patrimonialismos que se apregoa como partido político. Foi desse lugar que deu a entrevista. Quem a ler compreenderá que o não partido recebe cargos do governo Lula, posições que não pediu, mas de que não abre mão. “Depois que você dá, tirar complica.”

Né?

Esta é a configuração do União, segundo entendi: a) leva ministérios; b) que não demandou; c) cobrado sobre adesão à agenda do Planalto, objeta que os ministros são da cota dos donos do não partido; d) informa que a federação de patrimonialismos é independente; e) registra que pegará mal, para a relação, tirar a turma das cadeiras agora.

É possível, na entrevista, identificar um glossário do União Brasil. Independência seria a condição para que parlamentares negociassem individualmente os apoios, de votação em votação, via emendas. A independência do não partido consistiria em manter os cargos que tem, algo à parte, acerto por cima, sem compromissos de plenário, exigindo que o governo comerciasse, a cada projeto de interesse, com cada parlamentar.

Desnecessário explicar que federação de patrimonialismos também será de patrimonialistas. O conjunto faz volume e sobe preço. Atrai. Dissimula. É o novo papel da liderança. Mostrar e dar trânsito a esse tipo mui específico de independência. Sou independente na jurídica. Tem jogo na física. São 59 CPFs.

Por exemplo. A Sudene é do presidente do União Brasil, Luciano Bivar —não do União Brasil. Está dito. Imaginar que se terá o apoio do não partido por meio da distribuição de cargos equivale a investir em alcançar oásis no deserto. Miragem. Sempre se estará contemplando somente uma das facções que compõem conjunto rico em vendedores de lotes lunares.

Juscelino Filho é de Davi. Só não lhe queiram tirar o assento. Logo se torna do União, “atacado de forma injusta” — o pobre, que só quis usar jato da FAB para visitar leilões de cavalo (e ainda ganhar diárias). Juscelino, aliás, indicou filiado do União à direção dos Correios. Nascimento esclarece: é do partido, mas da cota do ministro.

O deputado expõe por que será impossível o governo formar base contando com o União: “[Na negociação de] cargo, participa a cúpula do partido. Mas 80% do Congresso, que é o baixo clero, quer saber de execução orçamentária. Quer saber de levar o posto de saúde, a pavimentação”.

Desenhe-se: os ministérios são dos alcolumbres; os elmares querem dinheiros para a Codevasf. A cúpula não lidera e vende o que não pode entregar. O partido não existe.

É transparente: “As urnas impuseram a Lula ampliar o diálogo”. Ao glossário. Diálogo ampliado: fazer andar o orçamento. Os meios estão dados. Ele lembra o acordo —formal, posto na Lei Orçamentária —para driblar o STF e sustentar a operação do orçamento secreto, agora sob a fachada dos recursos para ministérios. Foi o relator da emenda à Constituição que viabilizou um dos pilares para a continuidade do orçamento opaco e autoritário: a PEC da Transição. As condições estão postas. É só fazer girar.

Nascimento afinal formou na base de Bolsonaro, esquecido o laranjal, porque seu partido era chamado “para as políticas públicas”. Ao glossário. Participar da “condução do país na economia”: apoiar as PECs dos Precatórios e Kamikaze e garantir a produção de um Orçamento que estabelecesse como prioridade que a Codevasf se transformasse na maior asfaltadora do país.

O presidente da Codevasf foi indicação de Nascimento a Bolsonaro. E continua, sob Lula. Hoje “é de todo mundo”. E todo mundo lhe defende a permanência. Porque tem agilidade. Dá resultado. Nada a ver com as acusações de sobrepreço e de formação de cartel em pregões da empresa. Isso é maldade da imprensa.

Opinião

pt-br

2023-03-21T07:00:00.0000000Z

2023-03-21T07:00:00.0000000Z

https://infoglobo.pressreader.com/article/281586654839042

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.