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Com cobertura deficiente, jogar fora vacinas contra Covid é incompetência

Não adianta governo atual ficar eternamente culpando o anterior pelo desperdício de milhões de doses

Érevoltante que o Ministério da Saúde tenha jogado no lixo, entre 2021 e 2023, 38,9 milhões de doses de vacina contra a Covid-19, avaliadas em R$ 2 bilhões. O descarte aconteceu porque elas não foram usadas no prazo previsto. A maior parte (27,1 milhões) venceu em 28 de fevereiro deste ano, 9,9 milhões expiraram no ano passado, e 1,9 milhão em 2021. Pode ser ainda pior, pois mais 20 milhões de doses perderão a validade entre três e seis meses.

Em 2021, brasileiros disputavam lugar nas filas da vacina. Valia tudo para conseguir se vacinar: carteirada, pistolões, suborno, atestados fraudulentos e por aí afora. Havia até uma fila — a “xepa da vacina” —para tentar receber doses que sobravam. Tudo foi feito errado. Não se comprou a quantidade suficiente quando era mais necessário —e se comprou demais quando a demanda caiu, por falta de empenho do governo, pela resistência ou indiferença da população. O que faltava em 2021 vai para o lixo em 2023.

O governo atual culpa o anterior pelo descalabro. O Ministério da Saúde alega que a gestão Bolsonaro negou à equipe de transição informações sobre estoques e validade. Afirma que, ao assumir, deparou com 27 milhões de doses prestes a vencer, “sem tempo hábil para distribuição e uso”. Argumenta ainda ter buscado solução junto aos conselhos de secretários estaduais e municipais de Saúde (Conass e Conasems) para evitar o desperdício.

Ainda que a atual equipe tenha assumido há menos de três meses, não há inocentes nessa história. Todos sabiam que encontrariam na Saúde uma terra arrasada depois da gestão desastrosa de Bolsonaro. Era necessário ter previsto soluções para gerir crises óbvias. Ou esperavam encontrar tudo em ordem?

Se hoje não há tanta procura pela vacina, é porque a doença está sob controle graças à vacinação. Mas não se pode relaxar. Enquanto doses são jogadas fora, a cobertura vacinal no Brasil ainda está muito aquém do necessário. Só um estado (São Paulo) atingiu no ano passado a meta de vacinar 90% da população com duas doses (no Brasil todo, o total chegou a 81%). Quanto às doses de reforço, essenciais para combater novas variantes do coronavírus, apenas 108 milhões (51%) tomaram a primeira e 43 milhões a segunda (pífios 20%). Jogar vacinas fora nesse cenário é prova de incompetência.

Aplicar as doses continua sendo fundamental para que os cidadãos possam levar uma vida normal. A vacina é a melhor forma de conviver com o vírus. Por isso Ministério da Saúde, estados e prefeituras precisam fazer campanhas e levar doses a lugares de grande concentração, com o objetivo de aumentar os índices de cobertura e evitar que elas encalhem e acabem no lixo.

O Ministério da Saúde tem menos de seis meses para impedir que outros 20 milhões de doses sejam desperdiçadas. É inadmissível que um país onde ainda se morre de Covid-19 descarte vacinas por desleixo e incompetência. Na escassez crônica do SUS, os R$ 2 bilhões que foram para o lixo seriam de enorme valia. Não dá para ficar culpando eternamente o governo anterior.

Opinião Do Globo

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2023-03-21T07:00:00.0000000Z

2023-03-21T07:00:00.0000000Z

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