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Anderson parou seu ônibus e fez um parto

RUTH DE AQUINO

Tudo começou quando eu vi, sentada nomeio do asfalto quente, na Avenida Santa Cruz, uma mulher. Ela não conseguia atravessar. Nenhum carro parou para socorrer. Freei o meu ônibus. Um rapaz do posto de gasolina a ajudou ase levantar. Fazia muito calor. De upara euler nos lábios dela: você vai me ajudar. Ela apontou para sua muleta. Não tinha parte de uma perna. Resolvi levá-laa té Bangue deixar com policiais para ser socorrida.

Só que, quando ela entrou, deitou nos degraus da escada do ônibus. Sentindo muita dor. Tá passando mal? Ela não conseguiam e responder, só balançava a cabeça. Perce bique ela esta vaco mamão na barriga enas partes íntimas. Pergunteis e estava grávida. Fez que sim. Foi quando a bolsa d’água estourou. Tudo ficou molhado. A bermuda dela encharcou.

Tinha muitos passageiros no ônibus. Umas 30 pessoas. Resolvi levar ao hospital mais próximo. Hospital da Mulher em Bangu, Praça Primeiro de Maio. Já tinha passado dele. Precisei fazer dois retornos. Uma mulher começou a reclamar do desvio, mas um rapaz juntoàro leta gritou. Ela está grávida! Evamos levara o hospital! Os passageiros ficaram em silêncio. Todos torcendo para tudo acabar bem.

Vi que ela botou amão dentro da bermuda. A cabeçado neném estava saindo. Aí fiquei muito nervoso, acelerei, parei na pista bem coladinho ao meio-fio. Vou ter que desamarrar sua bermuda. Ela tinha dado um nó bem forte. Vou ter que tirar sua bermuda. No que eu puxei a bermuda, ela pressionou as pernas pra não deixar o bebê sair. Faz isso não! Pode tira ramão, deixa comigo. Ele veio inteiro na minha mão. Fiquei muito emocionado. Não senti tanta emoção assim nem no parto de minha filha caçula.

Quando o neném saiu, nem ela sabia se era menino ou menina. Qual o sexo? Eu também não sabia. Peraí, vou olhar... É menino! Escolhe o nome, disse ela. Eu não falava nada. Não conseguia. Meu nome é Anderson, só isso eu disse. Então vou dar seu nome a meu filho. Abri as duas portas do ônibus. Quando os profissionais chegaram, eu estava paralisado com o bebê na minha mão feito uma estátua. Não conseguia passar o bebê para os profissionais. A mãe me agradeceu, me chamou de herói. Ou coisa parecida, nem lembro mais.

Eu? Eu sou uma pessoa simples. Tenho mulher e duas filhas, elas ficaram muito orgulhosas de mim. Eu ando muito de bicicleta, pedalo bastante, jogo bola. Comecei a trabalhar aos 16 anos, descarregando caminhão. Sou formado emeletrotécnica.Trabalheiemempresadetelecomunicações mas com a fusão que teve, houve corte e eu era muito novo. Há seis anos sou motorista. Minha mãe é carioca, meu pai era baiano. Não tenho religião, mas tenho fé em Deus. Sou Fluminense. Sempre quis conhecer os jogadores, mas o que mais quero na vida agora é encontrar o bebê do ônibus. Ele nasceu no dia 23 de janeiro de 2023. E eu nunca mais vou esquecer isso.

Fui duas vezes ao hospital, mas não me deixaram entrar. Não consegui ver o bebê ainda. Nem sei o nome da mãe. Ela é especial, desculpe, eu não consigo falar deficiente, mesmo sabendo que é a palavra certa. Acho muito forte. Prefiro dizer que ela é especial.

Especial é você, Anderson Duarte dos Santos, atropelado pelo milagre da vida. Resgata nossa fé no carioca da gema, no meio de tanta tragédia. Vivemos uma crise de falta de gentileza. No belo filme de Almodóvar “Carne trêmula”, a personagem de Penélope Cruz dá à luz num ônibus de madrugada. O prefeito de Madri concede então um passe vitalício ao menino Victor e à mãe. Boa ideia, Eduardo Paes. O que acontecerá com o pequeno carioca que nasceu no transporte público numa tarde escaldante de verão?

ANDERSON DUARTE DOS SANTOS RESGATA NOSSA FÉ NO CARIOCA, EM MEIO A TANTA TRAGÉDIA E FALTA DE GENTILEZA

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2023-01-27T08:00:00.0000000Z

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