Alvo de racismo e ódio, Vini Jr. faz gol e dança

Brasileiro marca sobre o Atlético depois da torcida rival ter pendurado boneco com sua camisa ‘enforcado’ em ponte

Estimulados pela falta de punição, os atos de racismo contra o atacante brasileiro na Espanha chegaram ao ápice ontem, quando torcedores do Atlético penduraram numa ponte de Madri um boneco enforcado vestindo seu uniforme. Horas depois, ele marcou — e dançou — na vitória do Real sobre o rival.

Um dos dias mais pesados que Vini Jr. viveu desde que chegou à Espanha terminou com um momento de desabafo e uma dança de resistência. Horas depois de ser vítima de um ataque de ódio e racismo de torcedores do Atlético de Madrid numa ponte da cidade — quando um boneco com sua camisa foi posicionado “enforcado” sob uma faixa com os dizeres “Madri odeia o Real” —, o atacante marcou um belo gol para fechar a vitória dos merengues por 3 a 1 sobre os colchoneros, pelas quartas de final da Copa do Rei.

O jogo, que começou com gol do Atlético marcado por Morata, teve também um golaço de Rodrygo, que tirou quatro marcadores em dribles curtos e finalizou com muita categoria para empatar a partida e levá-la à prorrogação. No tempo extra, Savic foi expulso e Benzema fez o 2 a 1, antes de Vini fechar o placar.

Na comemoração do gol, uma bonita jogada na qual avançou da esquerda rumo à entrada da área e bateu colocado, o jogador comemorou efusivamente. Vibrou, gritou e fez a dancinha, gesto criticado na Espanha e pelo qual passou por casos de racismo. Um claro momento de desabafo. No Twitter, postou “Madrid só há um. Todos sabem”. Depois, fez menção direta à faixa: “Vini AMA MADRID”, escreveu, em caixa alta. Com a vitória, o Real Madrid vai à semifinal da competição, junto a Athletic Bilbao, Osasuna e Barcelona.

—Vinicius, como sempre, focou na partida, com muita vontade de jogar. O que aconteceu é lamentável, mas fica para trás — comentou o técnico do Real Madrid, Carlo Ancelotti, após a partida, elogiando o “bom jogo” do brasileiro.

Mais cedo, Real Madrid, Atlético de Madrid e La Liga divulgaram notas lamentando o gesto dos torcedores, que foi muito mal recebido na Espanha. O clube colchonero chegou a afirmar que os atos são “repugnantes e inadmissíveis, que envergonham a sociedade”.

Nos últimos meses, o jogador virou alvo frequente. Da campanha “Baila, Vini”, em setembro do ano passado — resultado de ataques também antes de clássico contra o Atlético —, às ofensas racistas sofridas em partida contra o Valladolid, em dezembro, o camisa 20 é recebido com ira fora do comum pelos rivais, sem que providências contundentes sejam tomadas.

—É uma falta de ação da Federação Espanhola e até mesmo das autoridades. Existe uma total falta de interesse e vontade da federação em punir. Existiam provas, todos os elementos — diz Marcelo Carvalho, diretor do Observatório Racial do Futebol.

REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA

Em resposta ao GLOBO, a assessoria de La Liga relembrou que já apresentou denúncias por ofensas a Vini em outras três oportunidades, além da ocasião do Valladolid. Uma delas chegou ser arquivada por insucesso na identificação dos autores.

Ontem, a Comissão Estatal contra a Violência, Racismo, Xenofobia e Intolerância no Esporte da Espanha marcou uma reunião extraordinária na próxima segunda-feira, na sede da Procuradoria Geral do Estado, em Madri.

“Serão discutidos os episódios desprezíveis de violência que continuam ocorrendo no meio esportivo e social, e que a (Comissão) Antiviolência condena veementemente”, disse o órgão em nota.

Morando na Espanha há três anos, a brasileira Gabriela Tomaseto, que escreve sobre o futebol espanhol na página “Canal Barça” e no podcast “Blaugrana Cast”, disse que os atos dos torcedores do Atlético foram muito mal vistos, mas conta que a repercussão das ofensas é diferente no país. Para ela, um certo preconceito sobre o comportamento de jogadores brasileiros acaba esvaziando a discussão:

—Um tema que sempre foi debatido é uma postura do jogador brasileiro, a gracinha, tentar tirar vantagem.