Infoglobo

‘A milícia ficou tão enfraquecida que o tráfico está tentando invadir’, diz Castro

Para governador, guerra na Zona Oeste é resultado das operações de combate a grupos paramilitares

GIULIA VENTURA, MARCOS NUNES E SELMA SCHMIDT granderio@oglobo.com.br

Ogovernador Cláudio Castro disse ontem à tarde, ao desembarcar em Brasília, que a guerra pelo controle de comunidades da Zona Oeste é resultado do combate à milícia feito pelo estado. Há mais de dez dias, traficantes da Cidade de Deus e da Rocinha vêm tentando tomar as favelas da Gardênia Azul, em Jacarepaguá, e da Muzema, no Itanhangá, que são dominadas há décadas por grupos paramilitares.

—O pessoal fala em milícia, milícia, milícia. Estamos trabalhando no enfraquecimento dela. Isso acaba sendo um efeito colateral. A milícia ficou tão enfraquecida, graças a nosso trabalho, que o tráfico está tentando invadir. A gente está combatendo o tráfico também —disse Castro.

O governador voltou a defender que as operações de combate aos bandidos sejam frequentes:

—A gente fala da constância das operações e, muitas vezes, é criticado por todos. Quando se faz operações constantemente, a gente vai enfraquecendo esses grupos. Mas muitos torcem contra essas operações. E, aí, geram situações com essa. Palmas para eles.

‘É TROCAR DE MÃOS’

Castro disse ainda que um tiroteio ocorrido na Avenida Brasil, na altura de Ramos, na noite de anteontem, pode ser reflexo da disputa entre milícia e tráfico. Segundo ele, a abordagem de um carro ocupado por suspeitos, feita por agentes do Batalhão de Policiamento em Vias Expressas (BPVE), foi necessária:

— Os policiais estão tentando acabar com a guerra. Quem leva a guerra para o meio da rua é o traficante. Ou a polícia agiria na Avenida Brasil ou deixaria as pessoas vulneráveis. A polícia tem que proteger a população.

Professora da Fundação Getulio Vargas e pesquisadora da área de segurança pública, Joana Monteiro ressaltou que a imensa maioria das favelas do Rio é controlada hoje por grupos criminosos, que exploram diferentes mercados ilegais. Segundo ela, há meses, a região de Jacarepaguá sofre com disputas entre milicianos.

— Num contexto, o que a gente está tendo no Rio é uma mudança no tabuleiro. É o nosso jogo de tronos. Nossa guerra de tronos, de quem está tentando ir para outros lugares. E a história toda do Rio de Janeiro é marcada por isso. Dificilmente, você vai ver um livramento (de domínio). É trocar de mãos, de quem será o novo dono. E é muito difícil mexer nisso — disse a especialista.

A guerra na Zona Oeste tem espalhado o medo por toda a região que vai do Itanhangá até a Cidade de Deus. Na Gardênia Azul, onde o tráfico já estaria controlando uma parte do território, comerciantes estão baixando as portas por volta das 17h. Nas redes sociais, circulam ordens para um suposto toque de recolher.

Em dúvida sobre a veracidade da informação, as ruas têm ficado vazias à noite.

—Aqui nunca foi assim. Vivo na comunidade há 17 anos, e nunca vi nada parecido. Meus filhos, de 8 e 11 anos, nunca tinham visto uma arma. Hoje, não sabemos mais diferenciar um miliciano de um traficante, todos vestem a mesma roupa. Agora tem essa situação de uma possível invasão do tráfico, e estamos com medo — conta uma moradora da Gardênia Azul, que não quis ser identificada.

MUDANÇA DE ROTINA

Comerciantes afirmam que, se a violência continuar, vão abandonar seus negócios e deixar a favela.

—Tenho uma amiga que, no segundo dia dessa guerra, fechou sua loja, pegou os filhos e foi embora. Moro aqui há 25 anos, mas é insegurança o dia todo — diz um lojista.

Uma advogada que mora há nove anos na Estrada Marechal Miguel Salazar Mendes de Morais, perto da Cidade de Deus, relata ter alterado sua rotina devido à insegurança:

— Eu temo mesmo é pelo meu pai, que tem 79 anos e sai todos os dias para trabalhar. Às 6h, ele sai de casa e é bem no horário das operações. Eu mesma parei de sair, de ir à academia, porque não tem hora para um tiroteio — diz. — As ações aqui na Cidade de Deus começaram tem uns dois dias. Lembro de tudo como uma cena de filme de guerra, porque ficamos sem luz em meio a um tiroteio e só escutávamos tiros e bombas.

Na Muzema, moradores afirmam não ouvir tiros há dois dias. No entanto, seguem um toque de recolher imposto pela milícia.

— Deixei de fazer coisas no fim do dia. Queria, por exemplo, levar meu filho ao cinema e não pude — contou uma mulher, que mora há 20 anos na comunidade.

Rio

pt-br

2023-01-27T08:00:00.0000000Z

2023-01-27T08:00:00.0000000Z

https://infoglobo.pressreader.com/article/282054806166123

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.