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‘BALANÇO ANALISADO ERA FICTÍCIO’

ENTREVISTA Fabio Alperowitch, SÓCIO DA FAMA INVESTIMENTOS

Fundador da Fama Investimentos, que privilegia empresas com altos padrões de governança, Fabio Alperowitch vendeu ações da Americanas pouco antes da revelação do rombo bilionário. Para ele, havia sinais de problemas na gestão.

A Americanas tem uma política de incentivos agressivos relacionados a resultados obtidos por seus executivos, com pagamento de bônus. Isso, na sua visão, é um problema?

Quando se tem uma cultura de obsessão por resultados financeiros, é provável que se passe por cima de qualquer coisa, inclusive da ética. Quando tem incentivo de aumentar o lucro para ser compensado, o gestor pode querer maximizar ganhos para receber bônus maiores. Se uma empresa lucra R$ 100, por exemplo, mas pode-se manipular o balanço para parecer que ganhou R$ 300, sem fiscalização, há incentivo para que se faça isso. Se você tem uma boa estrutura de governança, com mais pessoas decidindo —com comitês de assessoramento, auditoria interna, compliance, conselho —, é provável que alguém levante a mão e diga que a decisão é arriscada, que é errada, e impeça.

Mas ela tinha essa estrutura...

Não tinha de fato. O presidente estava há 20 anos na empresa. O grupo de executivos tinha turnover (média de substituição) alto. O Conselho de Administração era pouco independente, já que a maioria pertencia aos controladores. Então, eram poucas as vozes lá dentro. O balanço da Americanas não era o mais transparente, e parece que ninguém se incomodava. Coisas desse tamanho só são possíveis porque estruturas não funcionam adequadamente e falta fiscalização.

Mais de uma semana depois do início da crise, os sócios da 3G Capital publicaram uma carta afirmando desconhecer a manobra. O ‘timing’ foi correto?

Achei a carta tardia, lacônica, pouco enérgica. Na postura de acionistas de referência, deveria ter havido comunicação quase imediata. Foi falha, isentando quase todo mundo. Parece cortina de fumaça para jogar atenção em quem não detectou o problema, tirando o foco de quem causou.

Isso pode respingar em empresas relacionadas ao grupo, como a Ambev?

Não dá para afirmar, porque cada empresa tem sua estrutura de governança. Mas existe uma cultura de obsessão por resultados nesse grupo a que tenho muitas críticas.

Bancos travam uma guerra jurídica para não ficar no prejuízo. Houve displicência na concessão de crédito?

Muitos estavam fazendo análise sobre um balanço fictício. Emprestaram com base numa empresa que não era aquela. Talvez estivessem se apoiando no fato de ser controlada pelos homens mais ricos do Brasil. Houve leniência nesse sentido. É um capítulo muito triste na nossa história do mercado de capitais.

Economia

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2023-01-27T08:00:00.0000000Z

2023-01-27T08:00:00.0000000Z

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