Infoglobo

Regra fiscal I: extrateto

FABIO GIAMBIAGI oglobo.com.br/economia economia@oglobo.com.br

Começo hoje um conjunto de artigos com sugestões acerca da proposta fiscal que o governo deverá submeter ao Congresso nos próximos meses. Os artigos tratarão de três aspectos diferentes e complementares entre si, cada um deles a ser desenvolvido em texto específico. Hoje, o assunto será o chamado “extrateto”. Daqui a duas semanas, analisaremos a questão específica do valor do teto. Por último, daqui a um mês, o tema será a velocidade de crescimento futuro do gasto.

Expliquemos então melhor o primeiro ponto. Em 2016, quando foi adotado o teto de gastos, na verdade ele se referia a um universo que não correspondia, stricto sensu, ao total da despesa, porque havia um conjunto de itens que representaram, naquele ano, 3% do teto e que, nos termos da Emenda Constitucional (EC) daquele ano, estavam fora da abrangência do limite. Por representarem um valor que se somava ao teto para chegar ao gasto total, no jargão jornalístico passaram a ser consideradas despesas “acima do teto”, ou simplesmente “extrateto”.

Ressaltem-se duas coisas: i) o valor modesto dessas exceções; e ii) o pequeno número de itens englobados nessa short list. Agora, o peso relativo das exceções é muito maior, e o tipo de gasto excepcionalizado desse controle já alcança a uma dezena de rubricas. Como diz um amigo dado a imagens fortes, “depois de 3 PECs, a política fiscal virou um bundalelê”. É preciso restabelecer certa ordem nessa bodega.

Por que aconteceu essa degradação de regras? Por uma espécie de “pecado original” da EC de 2016, que, conforme seus próprios mentores hoje reconhecem, era compreensível naquelas circunstâncias mas que, ex post, não se revelou uma boa estratégia: a ideia de deixar alguns itens de fora para facilitar a aprovação da proposta. Com isso, surgiram depois duas tendências: a) aumentar o valor dos itens do extrateto (pois “não tem problema porque não afeta o teto”); e b) adicionar itens às exceções, por analogia.

Com o tempo, virou um circo. Há algum problema com algo? Passa-se o item de “dentro do teto” para “fora do teto”, e vida que segue. Alguém precisa chamar as coisas pelo seu nome: isso não é sério. É preciso retomar o espírito original do teto, fielmente refletido na frase de Ana Paula Vescovi, parte do time da área econômica no governo Temer: “Se um grupo quer mais recursos, vai faltar para outros.” É necessário dizer as coisas em alto e bom som: ter limites faz bem ao país! Ou, como diz, corretamente, Elio Gaspari, constatando que só se pensa em gastar mais: “Que tal cortar gastos?” A ideia de que é possível gastar mais e mais, sem que ninguém pague a conta, é economicamente errada e civicamente deseducativa.

Por isso, o novo governo deveria fazer o oposto do que aconteceu depois de 2016 e propor que o teto abranja todas as despesas, naturalmente excluindo as transferências a estados e municípios, pois não faria sentido que, se a receita aumenta e com ela essa rubrica, outras tivessem que sair perdendo recursos.

As outras despesas que também teriam que ser excluídas são os créditos extraordinários, pelo simples fato de que, quando o Orçamento é aprovado em dezembro, não se sabe onde será preciso incorrer nesse tipo de despesa e seria desumano dizer, por exemplo, para milhares de famílias desabrigadas numa enchente, que o governo não pode fazer nada “porque não tem verba para isso”. De qualquer forma, normalmente esse tipo de despesa fica na faixa de R$ 5 bilhões a R$ 10 bilhões/ano, o que, num total de gastos da ordem de R$ 2 trilhões, é escassamente relevante.

Essa regra teria um elemento pedagógico, para a classe política e para a sociedade em geral, pois ficariam claros os dilemas a enfrentar: alguém pretende gastar mais na rubrica A? Isso é legítimo. Que se aponte então qual será a rubrica B que sairá perdendo, já que dinheiro não dá em árvore. Faltaria então definir o teto do gasto —e sua velocidade de crescimento. Continua no próximo capítulo.

A ideia de que é possível gastar mais e mais, sem que ninguém pague a conta, é economicamente errada e civicamente deseducativa

Economia

pt-br

2023-01-27T08:00:00.0000000Z

2023-01-27T08:00:00.0000000Z

https://infoglobo.pressreader.com/article/281827172899435

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.