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Governo prepara pacote contra atos golpistas

Sob críticas e temores, plano que cria polícia e amplia controle nas redes é entregue a Lula

Politica@oglobo.com.br BRASÍLIA E RIO

Entregues ao presidente Lula pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, medidas preveem criação deforçapolicialespecíficaparaórgãosfederaise maiorcontrolesobreredessociais.Especialistas apontam problemas como redundância com as leis atuais ou risco de censura prévia.

EDUARDO GONÇALVES, DIMITRIUS DANTAS E MARLEN COUTO

Numa contraofensiva aos ataques de 8 de janeiro, o ministro da Justiça, Flávio Dino, apresentou ontem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um tripé de medidas para coibir novos atentados contra as instituições. Duas delas, consideradas as mais polêmicas, já estão suscitando críticas e preocupação: a criação de uma força policial para proteger órgãos federais e o lançamento de ferramentas para “moderar” conteúdos tratados como extremistas nas redes sociais. O terceiro item envolve a elaboração de dois projetos de lei para punir financiadores de ações golpistas.

A maioria das iniciativas precisa do aval do Legislativo para entrar em vigor. Dino pretende apresentara o Congresso oque batizou de“pacote da democracia” nos primeiros dias da próxima Legislatura, que começa na quarta-feira. A ideia é aproveitara comoção ainda patente dos parlamentares comas cenas de destruição na Câmara e no Sena dopara agilizara tramitação das propostas.

A instituição de uma Guarda, que substituiria a Força Nacional de Segurança, gera apreensão em especialistas. O ministro ressalta que elas teriam atribuições distintas.

—A Força N aciona lé temporária( convocada extraordinariamente ), a Guarda Nacional será permanente e terá jurisdição sobre o Distrito Federal—explicou o ministro.

A Força Nacional conta hoje com 1.300 homens. Dino não adianta qual seria o efetivo do órgão que iria substituí-la. O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, considera a discussão legítima, mas levanta dúvidas sobre aviabilidade da iniciativa. Além da questão orçamentária relativa à criação e manutenção da Guarda, ele acredita que, para ser efetiva, anova força precisaria de pelo menos quatro mil integrantes. Lima destaca ainda que o contingente daPolícia Militar do DF já é pago com recursos da União.

—Apenas para conter uma grande manifestação, como a do dia 8, você precisa de 1,5 mil homens. Se levar em conta férias, folgas, licenças, o efetivo total tem que ser pelo menos três vezes maior que isso —conclui Lima.

O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), autor de um projeto para federalizara segurança do Distrito Federal, avalia que o plano do governo não resolve a questão.

—O problema do dia 8 não foi falta de tropa, mas de comando —sentencia.

Na avaliação do ministro da Justiça, há diversas lições a serem tiradas dos ataques aos Três Poderes. O governo identificou que as redes sociais foram a principal ferram entapara a convocação dos ataques. Dino quer obrigaras empresas de tecnologia a monitorarem e retirarem do ar conteúdos extremistas, que atentem contra o Estado Democrático de Direito. As que não cumprirem serão multadas. Historicamente, a exclusão de publicações sem decisão judicial abre debates sobre o risco de censura prévia, já que a interpretação sobre o que é ou não antidemocrático é subjetiva. O modelo proposto pelo governo se baseia na “Lei de Fiscalização da Rede” que vigora na Alemanha desde 2017.

O ministro da Justiça argumenta que o conteúdo tratado como proibido já está descrito no Código Penal. Ele dá como exemplo um cidadão que monta uma banca no espaço público para convencer as pessoas a executar um golpe de Estado.

— Isso é crime. Precisamos buscar simetria entre as ruas e as redes. Aquilo que não pode ser dito nas ruas, claro, não pode nas redes —diz Dino.

O temor de analistas é que as plataformas podem acabar removendo conteúdos legais para evitar que sejam impostas multas por suposto descumprimento do seu dever. Para o advogado Francisco Cruz, diretor do centro de pesquisa InternetLab, há perguntas a serem respondidas sobre a aplicação da proposta:

— Há crimes mais desafiadores de interpretar, como, por exemplo, o de incitação à animosidade das Forças Armadas. Interpretar o que é incitar não é simples. A gente vai querer transferir para a plataforma a obrigação de interpretar esse artigo?

A pesquisadora do Centro de Ciências Sociais de Berlin (WZD), Bruna Santos, ressalta que o governo precisará deixar claro o que deve ser enquadrado como ilegal e a qual autoridade caberá definir que conteúdos são extremistas, para poder fiscalizar a qualidade do monitoramento feito pelas plataformas:

—As táticas dos criminosos vão se sofisticando. Nas convocações para os atos, os manifestantes se referiam ao evento como “Festa da Selma” para driblar eventuais fiscalizações. É necessário acompanhamento constante para entender se aquele conteúdo é crime ou não.

Outro projeto gestado pelo Ministério da Justiça especifica a punição para o crime de financiamento de atos com objetivos golpistas. Ele prevê sanções não apenas a pessoas físicas, mas estabelece que empresas acusadas de patrocinar investidas antidemocráticas sejam impedidas de participar de licitações e receber benefícios fiscais.

PUNIÇÃO FACILITADA

Segundo o criminalista Fábio Tofic, já é possível enquadrar os financiadores como “partícipes” de diferentes crimes. Ele considera positiva a criação de um crime específico de financiamento de práticas antidemocráticas. Segundo Tofic, isso facilitaria a punição:

—É da tradição do Direito Penal brasileiro, nesse tipo de conduta que pressupõe associação criminosa, punir autonomamente afigurado financiador. O projeto faz sentido.

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2023-01-27T08:00:00.0000000Z

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