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Contestação a projeções do Censo mascara profusão de municípios

Só uma minoria das prefeituras gera recursos locais para pagar despesas —as demais dependem da União

Em liminar, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski manteve as regras de distribuição dos R$ 188 bilhões do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A decisão foi uma resposta a projeções demográficas sugerindo encolhimento populacional em 863 cida desbrasileiras, oque acarretariaredução nas verbas recebidas do governo federal (entre elas, 73 dos 92 municípios do Rio de Janeiro). Os prefeitos prejudicados contestaram a qualidade do Censo, sujeito a adiamento, cortes e dificuldades técnicas que impediram até agora sua conclusão.

Os argumentos dos detratores do Censo são frágeis. Trata-se do melhor retrato possível do Brasil dentro das condições. Além disso, a liminar, que ainda será examinada pelo plenário do STF, apenas mascara o enfrentamento de uma deficiência grave do pacto federativo brasileiro: a proliferação de municípios sem receita tributária suficiente para arcar com suas despesas.

A reclamação dos prefeitos resultada distorção criada depois da promulgaçãodaConstituiçãode1988,comacriação de centenas de novos municípios. Com promessas de empregos e benesses, houve uma onda de plebiscitos para desmembrar regiões. De 1989 a 2001 surgiram 1.181 novos municípios. Cada um com seu prefeito, câmara de vereadores, estrutura administrativa com secretários, assessores etc. Na maioria dos casos, a conta sobrou para os repasses do FPM.

A festa municipalista foi até certo ponto contida em 1996, com uma emenda à Constituição acrescentando às exigências já previstas a aprovação de lei complementar federal para cada proposta de novo município e a divulgação de Estudos de Viabilidade Municipal. O plebiscito necessário ao desmembramento passou a incluir também as cidades que poderiam ser afetadas pela criação da nova prefeitura.

As medidas não conseguiram reverter o desequilíbrio. O Brasil tem hoje 5.570 municípios. De acordo com o último estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), com dados de 5.239 municípios para o ano de 2020, 1.704 (32,5%) nem geram localmente recursos para arcar com a estrutura administrativa. Um levantamento do jornal Folha de S.Paulo estimou que 70% arrecadam o suficiente para pagar menos de 20% das despesas. Nem todos recolhem tributos municipais. Preferem viver com o dinheiro fácil e sem encargos do fundo de participação.

Embora a criação de municípios independentes tenha sido justificada muitas vezes com base em critérios geográficos ou econômicos, boa parte surgiu apenas para atender a interesses políticos paroquiais. A liminar de Lewandowski pode satisfazer à demandaimediatadosprefeitosprejudicados, mas a realidade não mudará, e o Censo é apenas seu retrato mais fiel. Congresso e Executivo têm o dever de desenvolverumprogramaparaaglutinar prefeituras que isoladamente não se sustentam e que, agrupadas, seriam mais viáveis. A medida melhoraria a qualidade da gestão pública e do gasto com o dinheiro do contribuinte.

Opinião Do Globo

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2023-01-27T08:00:00.0000000Z

2023-01-27T08:00:00.0000000Z

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