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STF TERÁ ATUAÇÃO FORTE EM RELAÇÃO ÀS QUESTÕES CLIMÁTICAS

Casos de litigância crescem exponencialmente, e tribunais terão que fazer cumprir metas e leis; processos contra setor privado aumentam

CRISTINA GRILLO

OSupremo Tribunal Federal (STF) terá atuação forte nos próximos anos em relação às questões climáticas para cuidar de omissões e atuações insuficientes ou deficientes do poder público. Decisões recentes do tribunal e a participação do ministro Luís Roberto Barroso na COP27 indicam os possíveis caminhos que a litigância climática seguirá no Brasil.

O conceito de litigância climática despontou nos anos 1990, como estratégia para responsabilizar judicialmente governos e empresas por impactos ao meio ambiente. Um dos primeiros casos ocorreu na Austrália, em 1994: o Greenpeace recorreu à justiça para impedira instalação de uma geradora de energia movida à carvão. A usina foi construída, mas com uma série de medidas para mitigar efeitos nocivos ao clima.

Os casos crescem exponencialmente. O Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment contabiliza 2.121 ações no mundo—em 2015 eram cerca de 800. No Brasil, levantamento feito pelo escritório Mattos Filho em 16 de novembro apontava a existência de 67 casos. Outro banco de dados, do grupo de estudos Juma, ligado à Faculdade de Direito da PUC-RJ, registra 52 ações. Em 2019 eram 13.

Em sua participação na Conferência do Clima do Egito, Barroso apontou os motivos que levam tribunais em todo o mundo a intervir de forma enfática em ações de litigância climática: a ignorância e o negacionismo dos governos, mesmo diante dos alertas da comunidade científica; e a visão imediatista da política, já que os efeitos das emissões e da degradação ambiental serão sentidos pelas próximas gerações.

— Por essa razão os tribunais, cujos integrantes não dependem de votos, nem precisam se mover pelos objetivos de curto prazo da política, é que precisam agir —disse em Sharm el-Sheik para um público que contava com ambientalistas, empresários, cientistas e representantes de governos.

FUNDO AMAZÔNIA

Em entrevista após participar da conferência, o ministro do STF disse que nos próximos anos os tribunais brasileiros terão que fazer cumprir as leis existentes e as metas de reduçãode emissão degases-estufa firmadas no Acordo de Paris.

— O que aconteceu aqui é que se assumiram compromissos de redução de emissão e do desmatamento, mas as políticas públicas andaram na direção contrária — disse, citando o desmonte das principais agências governamentais que tratam do meio ambiente.

A distância que separa países e corporações das metas estabelecidas no Acordo de Paris e a aproximação dos prazos dos compromissos estabelecidos, são fatores que, segundo Barroso, levam ao crescimento da litigância climática.

Em ação direta constitucional que questionava a inoperância do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima) em 2019 e 2020, o STF decidiu que a proteção do meio ambiente e o combate às mudanças climáticas são dever constitucional do governo federal, que não pode, portanto, se omitir no funcionamento do fundo nem contingenciar os valores destinados a ele.

— Essa decisão é considerada a primeira de uma suprema corte reconhecendo o Acordo de Paris como um tratado de direitos humanos — afirmou Barroso, relator da ação. O reconhecimento de que o direito a um meio ambiente limpo e saudável é um direito fundamental do ser humano vem crescendo no mundo, o que aumenta ainda mais a importância da decisão do STF.

Outra decisão importante deste ano diz respeito ao Fundo Amazônia. A ação direta constitucional pedia a reativação do fundo, coma retomada das captações. Na decisão, com tese semelhante a que fundamento uado Fundo Clima, o STF invocou os deveres de proteção do Estado em matéria ambiental, além dos princípios de precaução, prevenção e retrocesso para considerar inconstitucionais os decretos que revogaram os comitêsde governança do fundo.

Tramitam ainda no STF ações que lidam direta ou indiretamente coma questão ambiental, como a privatização da Eletrobras, o uso das Forças Armadas em ações preventivas e repressivas contra crimes ambientais; e várias ações questionado possíveis omissões do governo na proteção de biomas como a Amazônia e o Pantanal.

AGENDA REGULATÓRIA

A maioria das ações têm como réu o setor público, mas processos contra o setor privado aumentam. Bianca Antacli, sócia da área ambiental do TozziniFreire Advogados, aponta dois temas que terão protagonismo nos próximos anos: a responsabilização de dirigentes de empresas por ações ou omissões, e pedidos de indenização elevados.

Mais adiante, diz a advogada,veremos a litigância de empresas contra empresas em casos, por exemplo, por descumprimento de cláusulas ambientais em contratos.

—Meu conselho: melhor fazer pouco, mas com consistência e com provas do que está sendo feito. Não se trata de dizer não para metas mais ambiciosas, mas ter aquelas que se pode cumprir —diz.

Werner Grau Neto, sócio do Pinheiro Neto Advogados, diz que há inquietação em várias áreas, principalmente aquelas listadas no decreto 11.075/22, sobre a elaboração de planos setoriais de mitigação de mudanças climáticas e a criação do Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa.

— Digo ao cliente que há dois cenários: se ele está entre os setores citados no decreto, deve se preparar porque vem chumbo grosso com regulamentação e condicionantes de licenciamento ambiental; se não é desses setores, e sobra pouca coisa, tem o risco de ações imediatas e pontuais contra o agente específico, como aconteceu com a Shell.

O caso Shell é emblemático. A ONG holandesa Millieudefensie processou a petroleira sob o argumento de que suas metas de redução de emissões eram tímidas. Venceu. A sentença determinou que a empresa cortasse as emissões em 45% até 2030, comparado aos níveis de 2019. A Shell está recorrendo da decisão. Foi a primeira vez que um tribunal condenou uma empresa privada a cumprir as metas do Acordo de Paris.

Para André Vivan, também do Pinheiro Neto, é preciso avançar em uma agenda regulatória positiva para que o país ocupe, de fato, posição de liderança na questão climática.

—Temos uma janela pequena, cinco a dez anos, para fazer transição energética, implementarprojetos de hidrogênio verde, eólicas offshore, tudo o que supra nossas necessidades internas e tenha potencial de exportar. Mas se não avançarmos e outros países fizerem isso na nossa frente, perderemos nosso atrativo.

“Os tribunais, cujos integrantes não dependem de votos nem precisam se mover pelos objetivos de curto prazo da política, é que precisam _ agir”

Luís Roberto Barroso, ministro do STF

“Melhor fazer pouco, com consistência e com provas do que está sendo feito” _*

Bianca Antacli, advogada

Especial Cop27

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2022-11-30T08:00:00.0000000Z

2022-11-30T08:00:00.0000000Z

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