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VITÓRIA HISTÓRICA PARA PAÍSES MAIS VULNERÁVEIS

Apesar das indefinições no texto final sobre a questão das perdas e danos, reconhecimento da dívida climática foi festejado

MÔNICA MAGNAVITA

“A criação do fundo é uma vitória histórica. Esse era um assunto _ tabu.”

Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima

“Nada foi feito para conter o aquecimento em 1,5°C. Hoje a questão mais urgente é reduzir emissões. Se deixarmos essa decisão para o futuro, os países vão sofrer ainda mais” _

Paulo Artaxo, membro do IPCC, o painel sobre mudanças climáticas da ONU

ACOP27, encerrada no último dia 20 na cidade egípcia de Sharm el-Sheikh, será lembrada pelo acordo de 198 países em torno da criação do fundo de perdas e danos, depois de 27 anos de discussões. Considerado um avanço na agenda climática, o novo fundo indenizará países em desenvolvimento por danos decorrentes do aquecimento global, provocado pelas maiores economias do planeta e pelos quais as nações mais vulneráveis não tiveram qualquer responsabilidade, mas sofrem suas consequências.

Apesar de indefinições no texto final tanto em relação à composição dos recursos, quanto aos países doadores e recebedores dos bilhões de dólares, o acordo — reconhecimento da dívida climática — foi comemorado. Nas palavras dos organizadores, foi uma “decisão de capa”.

—A criação do fundo é uma vitória histórica. Esse era um assunto tabu. Os países desenvolvidos não queriam falar sobre isso porque achavam que seria aceitação de um problema e de uma responsabilidade deles, o que poderia dar ensejo a indenizações — diz Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, rede formada por 37 entidades da sociedade civil brasileira.

BANCOS NA MESA

A COP no Egito foi a primeira a incluir a criação do fundo na agenda oficial. Sem isso, sequer seria discutido. Aliás, de acordo com especialistas presentes na conferência de Sharm el-Sheikh, como Herschmann, o atraso de cerca de duas horas na aberturada plenária inicial foi devido às negociações dos termos da propostado fundo, lideradas pelos países em desenvolvimento, que se mantiveram unidos em torno dessa demanda comum.

Comemorações à parte, há consenso de que há um longo caminho pela frente. O comitê criado com 24 membros, 10 de países desenvolvidos e 14 de países em desenvolvimento,tratará de questões complexas para a operacionalização do fundo, co moquem receberá os recurso sequem pagará a conta. O documento final cita que o dinheiro irá para “países em desenvolvimento particularmente vulneráveis”, sem definir tal conceito. Não há garantias de que o Brasil, sexto maio remissor degases de efeito estufa, venha ase enquadrar na categoria prevista.

O fato é que os impactos das mudanças climáticas ocorrem cada vez mais intensamente e de maneira dramática. O Paquistão, por exemplo, viu um terço de seu território submergir comas maiores inundações de sua história, deslocando 100 mil pessoas. Atarefa de identificar os “vulneráveis” caberá ao comitê, que também avaliará a expansão de fontes inovadoras de financiamento, mas que tem, apenas, duas reuniões previstas para 2023, em maio e setembro, até a COP28, em dezembro.

Foi também a primeira vez que os bancos de desenvolvimento multilaterais foram cha ma dosàmesa, coma função de buscarem alternativas de financiamento. Alexandre Kossoy, especialista do Banco Mundial em mudanças climáticas, ressalta que o banco participará das discussões sobre alternativas de recursos, até por ser prioridade no Bird.

— A decisão sobre de onde virão os recursos terá que ser feita entre aspartes, os 189 países. O Banco Mundial pode responder entregando eficientemente os recursos. Hoje,éo maior agente de financiamento climático para países pobres e em desenvolvimento no mundo, com U$ 32 bilhões.

REDUÇÃO DE EMISSÕES

Mas nem todos os especialistas consideraram o desfecho da COP27 um progresso. O professor titular da USP Paulo Artaxo, que integra o grupo de trabalho do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), é um deles. Progresso, a seu ver, seria a estruturação de um fundo por parte de países desenvolvidos e em desenvolvimento destinado a acelerar a transição energética rumo a economia de baixo carbono, ajudando nações a reduzirem emissões de gases de efeito estufa.

—Nada foi feito para conter o aquecimento em 1,5ºC. Hoje

a questão mais urgente é reduzir emissões. Se deixarmos essa decisão para o futuro, os países em desenvolvimento vão sofrera ind amais. Mitigaçãoéoquet emosque fazer agora, com prioridade total antes que o aumento de temperatura chegue a 3º C. Não haverá fundo que vá minorar os impactos da mudança climática —diz.

O foco da COP27, segundo ele, ficou em perdas e danos. Não se falou em mitigação. Hoje, desmatamento equei made combustíveis fósseis são as duas maiores fontes de gases de efeito estufa.

—A questão de terminar coma queima de combustíveis fósseis sequer faz parte do documento final—diz Artaxo, que não vislumbra progressos em 2023, que ocorrerá nos Emirados Árabes, em Dubai, integrante da Opep.

Especial Cop27

pt-br

2022-11-30T08:00:00.0000000Z

2022-11-30T08:00:00.0000000Z

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