Infoglobo

COM LULA, BRASIL RETOMA PROTAGONISMO

País resgata visibilidade internacional na cúpula do Egito, mas terá que fazer a lição de casa para reduzir as emissões até o final da década

Alardeada como a COP da implementação dos compromissos climáticos, a 27ª conferência do clima das Nações Unidas, a COP27, realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito, entregou pouca ambição e jogou para frente tarefas de difícil negociação, como a redução gradual dos combustíveis fósseis e a efetivação da prometida ajuda de US$ 100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento realizarem sua transição energética.

A conta da descarbonização, por sinal, está longe de fechar: serão necessários, por ano, de US$4trilhõesaUS$6trilhões para colocar o mundo na rota da economia de baixo carbono e evitar que a temperatura média global se eleve acima de 1,5°C, objetivo maior do Acordo de Paris, firmado em 2015. Para isso, as emissões de gases de efeito estufa precisam cair 45% até 2030, em relação aos índices de 2019. Na trajetória atual, o mundo caminha para umaelevaçãode2,5°Cdatemperatura média até o final do século,casoaambiçãoclimática não seja restabelecida.

O Brasil entrou na COP27 com a participação dividida emtrêsdiferentespavilhões— o oficial, do governo federal; o da sociedade civil; e o do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal —e saiu com a promessa de retomar o protagonismo nas conferências ambientais e de fazer sua lição de casa, que é cumprir os compromissos assumidos no Acordo de Paris e no Pacto de Glasgow, na COP26, em 2021.

EDIÇÃO NA AMAZÔNIA

À frente da delegação oficial brasileira, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, teve participação discreta e deixou a conferência antes do final. Já a presença do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que foi à COP27 a convite do presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sissi, atraiu os holofotes internacionais.

Lula discursou em um painel organizado pelo consórcio dos governadores da Amazônia Legal e afirmou que “não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação dos biomas até 2030” e que o combate à mudança climática terá “o mais alto perfil” na estrutura do novo governo.

Também reforçou que o país está aberto à cooperação internacional na questão climática, seja em forma de investimento ou pesquisa científica. Lula participou ainda de encontros multilaterais e com representantes da sociedade civil, além de manter uma equipe de transição bastante ativa na cúpula, com duas ex-ministras do Meio Ambiente, Marina Silva (2003-2008) e Izabella Teixeira (2010-2016) participando de eventos durante toda a COP27.

— A divisão ficou patente entre o governo que temos e o governo que teremos — diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, dedicado à política climática.

A intenção do novo governo decriaroMinistériodosPovos Originários, fortalecer o combateaodesmatamento,principal vetor de emissões de gases de efeito estufa, e retomar as negociações com os países doadores do Fundo Amazônia são sinalizações de uma nova postura do Brasil na questão climática. Porém, é preciso que a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), apresentada ano passado em Glasgow, reflita esse novo momento.

—A correção da NDC brasileira em 2023 será o carimbo no passaporte para a ação climática, e é condição indispensável que sua atualização seja feita com base no diálogo do governo com a sociedade — afirma Unterstell.

Segundoela,aNDCdeveser vista como um instrumento de planejamento de políticas públicas e sinalizar, para agentes econômicos e políticos, que o país está na transição para descarbonização da economia. Em Glasgow, o Brasil anunciou a meta de mitigar 50% das emissões até 2030.

SOFT POWER

Para Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), a participação do Brasil teve momentos emblemáticos e trouxe o sentimento de volta ao protagonismo do país com seu soft power nas negociações do clima e de que essa agenda é uma questão de Estado, não de governo. A sinalização da intenção de sediar a COP30, em 2025, especialmentenaAmazônia—após o governo de Jair Bolsonaro recusar abrigar o encontro em 2019 — reforça essa percepção.

— É importante o reconhecimento de que as agendas de clima e biodiversidade se entrelaçam, e o Brasil tem vantagem comparativa em todas elas. É preciso fazer o dever de casa, com o combate ao desmatamento ilegal, nossa grande mácula, e a regulação de um mercado de carbono —diz.

Como nas COPs anteriores, amobilizaçãodasempresasfoi expressiva e teve como ponto alto a manifestação de que o objetivo de se alcançar 1,5°C é inegociável — alguns países presentes nas negociações buscaram flexibilizar esse objetivo, revelando um descompasso entre empresas e governos nas metas climáticas.

Uma resposta veio da coalizão We Mean Business, rede formada por mais de 200 lideranças de empresas globais e da qual o Cebds faz parte, que se posicionou perante os negociadores pedindo que a ambição fosse mantida.

Aconstataçãodequeoobjetivo de limitar o aquecimento global a 1,5°C está se tornandoumametacadavezmaisdifícil de ser alcançada pode explicar o fato de que um dos principais resultados da COP27 foi a criação de um fundo voltado a perdas e danos, que deve ser estruturado a partir do ano que vem. Um dos grandes desapontamentosdaconferênciaemcomparação aos resultados de Glasgow foi que não houve menção à eliminação gradual dos combustíveis fósseis, fruto da pressão de países produtores de petróleo.

—Há um certo reconhecimento de que a temperatura vai subir mais do que se espera e é preciso um plano B, por isso a COP27 trouxe mais aspectos de compensação e a adaptação do que propriamente de mitigação — explica Eduardo Felipe Matias, pesquisador visitante na Universidade Stanford, na Califórnia, e autor do livro “A Humanidade contra as Cordas”, que trata da governança global na questão climática.

Apesar das forças reacionárias que impedem os países de serem mais arrojados na eliminação dos combustíveis fósseis, há sinais vindo do setor privado e dos financiadores de que a transição para a economia de baixo carbono é um caminho sem volta — exemplos são as metas corporativas de net zero, os fundos

de venture capital que estão aportando em startups de energia limpa e de remoção de carbono — as chamadas

cleantechs , ou climate techs — um mercado que cresce 210% ao ano e movimentou US$ 222 bilhões entre 2013 e 2021, segundo a empresa de consultoria e auditoria PwC.

OPORTUNIDADES

As oportunidades para o Brasil são relevantes. O estudo “A Maratona Amazônica”, lançado na COP27, aponta que, nos próximos oito anos, o país pode se tornar a primeira grande economia de média ou alta renda a alcançar a neutralidade de carbono e ao mesmo tempo acelerar seu crescimento econômico. Segundo o estudo, será possível acrescentar entre US$ 100 bilhões (R$ 530 bilhões) a US$ 150 bilhões (R$ 800 bilhões) anuais ao Produto Interno Bruto (PIB) a partir de um plano de desenvolvimento social e econômico voltado à mitigação das emissões, conservação da biodiversidade e infraestrutura com soluções baseadas na natureza.

— Para isso, será preciso sair da lógica do extrativismo e trabalhar com os pilares da valorização da floresta em pé, da agricultura sustentável, da industria de baixo carbono e da inovação em tecnologia e bioeconomia, mas em uma escala sem precedentes — diz Patricia Ellen, cofundadora da Aya Earth Partners e sócio da Systemiq Latam, que conduziu o estudo.

“A divisão ficou patente entre o governo que temos e o governo que _ teremos”

Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa

Especial Cop27

pt-br

2022-11-30T08:00:00.0000000Z

2022-11-30T08:00:00.0000000Z

https://infoglobo.pressreader.com/article/282591676963208

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.