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Tatuador usou foto de menino sem autorização dos pais

Defesa da família diz que Justiça deverá decidir sobre a retirada da imagem gravada na pele, que conquistou até um prêmio num concurso em São Paulo

CÍNTIA CRUZ cintia.cruz@oglobo.com.br portrait

Uma sessão de fotos com o filho de 4 anos, há alguns meses, virou um pesadelo para a microempresária Preta Lagbara, de 42 anos. A imagem com o rosto do pequeno Ayo viralizou e foi parar num concurso de tatuagem. O tatuador Neto Coutinho conquistou o segundo lugar na categoria na Competição Tattoo Week, em São Paulo, em outubro. A categoria abrange a reprodução de retratos de uma ou mais pessoas em primeiro plano.

Preta contou que, desde que soube da possibilidade de ver o rosto do seu filho estampado no corpo de um desconhecido, ficou desestabilizada.

—Alguém me marcou e fiquei incrédula, sem acreditar que era uma tatuagem. Ter a foto do meu filho tatuada num homem branco que sequer sabe o nome dele, que não tem qualquer vínculo comigo ou com Ayo, tem me consumido desde o dia que soube dessa história —afirma Preta, que é ialorixá e cursa Pedagogia na Uerj.

‘COM AYO NÃO VAI SER ASSIM’

Ela disse que, diante da exposição do filho, quer uma retratação:

—Acho que ele não sabia que Ayo é uma criança brasileira, que a mãe de Ayo é uma pessoa do movimento (negro), com letramento racial, que tem pai nigeriano e uma família por ele. Não é uma criança pública. Se ele jogasse a foto no Google, iria chegar ao fotógrafo que fez e poderia chegar a mim. Ganham rios e rios de dinheiro com imagens dos nossos corpos e não dá em nada, mas com Ayo não vai ser assim.

O fotógrafo Ronald Santos Cruz, autor da foto de Ayo, disse que sempre busca a origem de quem retrata.

—Sempre procuro buscar a história, a identidade, a origem da pessoa, porque isso é importante. É o registro que fica para a história. Estamos cansados de ver fotos premiadas, e a gente nem sabe quem está ali. Quando tiramos uma foto sem permissão, isso acaba com a privacidade. Nas minhas fotos, busco capturar o sorriso, a felicidade, principalmente do povo preto —explica Ronald.

Em seu perfil no Instagram, o tatuador Neto Coutinho pediu desculpas ao fotógrafo Ronald e aos pais de Ayo. Reconheceu que errou ao tatuar a foto sem pedir autorização e ressaltou que a premiação foi um troféu e não teve valor em dinheiro. “Não foi intenção. Não quis ferir ninguém e também não ganhei nada com isso. Vi a imagem, achei bonita e realmente esqueci do que vem por trás: procurar saber quem fez, se os pais iriam gostar”, escreveu. O advogado Gabriel Rodrigues, que representa Coutinho, informou que seu cliente “se reservará ao seu direito de silêncio”.

O advogado de Direito Anti-discriminatório Djefferson Amadeus, que está dando assistência jurídica a Preta, destacou a possibilidade da remoção da tatuagem:

—A pessoa tatuada será chamada para fazer parte da causa, pois queremos saber se ela foi enganada pelo tatuador, que omitiu a ausência de autorização, ou se a ideia partiu dela. Seja como for, ambos violaram o direito de imagem da criança. A Justiça estará diante de um debate novo, sobre a possibilidade, ou não, de remoção ou apagamento da tatuagem.

O GLOBO não conseguiu localizar a pessoa tatuada.

Rio | Tempo

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2022-11-30T08:00:00.0000000Z

2022-11-30T08:00:00.0000000Z

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