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TRAVA NOS GATILHOS

Transição deve propor proibição de fuzis e até recompra de armas

EDUARDO GONÇALVES, PATRIK CAMPOREZ E BRUNO ABBUD brasil@oglobo.com.br BRASÍLIA

Aequipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva deve recomendar a proibição de fuzis e espingardas semiautomáticas para a população civil, numa reviravolta da política de ampliação do acesso que marcou o governo Jair Bolsonaro. Para quem já possui o armamento, a equipe vai propor um programa de “entrega voluntária e recompra”, em que o governo comprará o equipamento pelo “valor mais próximo do preço de custo”. O arsenal adquirido deverá ser “reaproveitado para modernizar as Forças de Segurança”.

As informações fazem parte de um relatório preliminar produzido pelo grupo de trabalho de Justiça e Segurança Pública da equipe de transição, que estava previsto para ser debatido em reunião ontem. Das ideias desse documento sairá o relatório consolidado a ser entregue hoje ao coordenador-geral da transição, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB).

Conforme o texto, as mudanças devem ser feitas nos 100 primeiros dias do governo Lula, pela revogação de decretos e de normas baixados pelo governo Bolsonaro desde 2019. O grupo propõe a edição de novos atos.

O grupo de trabalho levantou ainda possibilidade para tornar mais cara a manutenção dessas “armas de guerra”, como são classificadas no relatório, para quem insistir em mantê-las no seu acervo. O documento sugere a imposição da renovação da licença a cada ano. “Caso a renovação do registro não seja realizada no período estipulado, fica autorizada a apreensão das armas, além de outras medidas cabíveis”, prevê o documento.

LIMITE REDUZIDO

Outra recomendação da equipe de transição que trata da segurança pública é reduzir o limite de armamentos que podem ser comprados pela população civil, para quatro armas e 100 munições para cada arma por ano. Bolsonaro baixou portarias que permitem hoje o acesso a até 60 armas e 180 mil munições e 20 quilos de pólvora por ano.

Segundo integrantes do grupo de transição, já existe hoje um programa no Ministério da Justiça, chamado Desarma, que deve ser ampliado. O portador de uma arma pode procurar esse programa para receber um guia do passo a passo para a devolução e retirar o dinheiro pela entrega junto ao Banco do Brasil.

— Provavelmente vai ser preciso uma dotação orçamentária específica para esse fim, até porque a indenização hoje é no máximo de R$ 300. E não tem como pagar isso para os fuzis — afirma o policial federal Roberto Uchôa, autor do livro “Armas pra quem? A busca por armas de fogo”, convidado nesta semana a contribuir com a transição em relação às mudanças nas normas sobre armamento.

No mercado legal, um fuzil custa em média hoje R$ 20 mil. Há uma preocupação entre os especialistas de segurança pública de que, a partir da proibição, essas armas sejam vendidas por um valor maior no mercado clandestino.

De acordo com dados do Fórum de Segurança Pública, em 2020, havia 110.195 fuzis, carabinas e rifles —armas de grosso calibre — no Sistema Nacional de Armas da Polícia Federal. No ano seguinte, o número foi para 139.893 — um aumento de 27%. A maior parte foi registrada em Santa Catarina (20.692 em 2021), Rio Grande do Sul (18.187), Paraná (13.841), Distrito Federal (13.531) e Mato Grosso (12.581).

Em 2020, eram 8.904 metralhadoras e submetralhadoras no país. Em 2021, o número foi para 9.020, com 6.057 registros ativos computados no Distrito Federal. Só em 2021, 17.194 armas novas foram registradas pela PF. E 8.799 para cidadãos comuns, segundo dados da PF. São fuzis, pistolas, revólveres e espingardas.

Outra mudança considerada pelo grupo de trabalho da equipe de transição é no tempo de validade do registro de arma de fogo, o Craf. O prazo cairia de dez para cinco anos para a posse emitida pela Polícia Federal. E de dez para três anos para os chamados CACs (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador), cuja autorização é dada pelo Exército.

O objetivo do grupo de trabalho é conseguir um “controle maior” sobre as armas em circulação no país. “Prazos de validade longos, além de diminuírem o controle sobre a capacidade técnica, psicológica e de idoneidade dos proprietários, estimulam o descontrole sobre o paradeiro das armas”, afirma o relatório preliminar.

Para fundamentar as propostas apresentadas, o grupo da transição se baseou em pesquisas que foram realizadas pelo Institutos Igarapé e Sou da Paz, que apontaram que a maioria da população é contra a facilitação do acesso a armas. Além disso, o grupo de trabalho também citou levantamentos de que houve desvios de armas compradas no mercado legal a integrantes de facções criminosas em pelo menos dez estados.

“PARECE ADEQUADO”

O advogado e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Ivan Marques considera que as medidas propostas pela equipe de transição são importantes para combater o desvio de armas legais, em especial para o crime organizado.

—O fuzil semiautomático é um dos mais cobiçados pelo tráfico e pelo crime organizado. O programa de recompra também me parece adequado. É um meio termo alcançado para não prejudicar aquele que de boa fé comprou arma nesse período —analisa Marques.

Para o advogado, além do incentivo ao desarmamento da população, seria necessária uma reforma nos órgãos de controle, para haver uma fiscalização mais efetiva das armas que já estão no mercado.

— Hoje a gente sabe que a Polícia Federal não consegue fiscalizar nada e o Exército não sabe fiscalizar nada. Temos bancos de dados muito falhos, muito defasados. Não podemos esquecer que mais de 1,2 milhão de armas entraram em circulação no país. Por isso, interromper o fluxo de armas entrando na sociedade é muito importante. Mas olhar para o que foi feito no passado também é fundamental.

Integrante do Instituto Sou da Paz, o advogado Bruno Langeani destaca que o Supremo Tribunal Federal, ao suspender decretos de Bolsonaro, decidiu por maioria que a liberação de armas de calibre restrito para uso civil é incompatível com a Constituição.

— Essa estratégia reproduz caminhos já realizados por Austrália e, mais recentemente, na Nova Zelândia, que, após o massacre (de 51 muçulmanos em 2019) em duas mesquitas com um fuzil, decidiu proibir estes modelos para civis e implementar um programa de recompra, que recolheu mais de 50 mil armas deste tipo em seis meses — compara o gerente do Sou da Paz.

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2022-11-30T08:00:00.0000000Z

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