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Cautela é bem-vinda em terreno minado

VERA MAGALHÃES blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes vera.magalhaes@oglobo.com.br

Apósumcomeçomeiotruncadoealgumasintercorrências, Lula parece ter arrumado o time para o mês final de uma transição em tudo atípica. Adotou uma cautela bem-vinda em três frentes críticas: a designação do ministro da Fazenda, as conversas com os militares e a negociação da PEC da Transição. A retranca se justifica diante do terreno minado em que transcorre cada uma dessas batalhas.

O mercado estava alvoroçado diante da falta de sinalizações detalhadas na economia. Elas começam a vir. Ficou claro que a escolha de Lula para a Fazenda é Fernando Haddad. Sempre foi, desde o discurso da vitória, quando o até então candidato ao governo de São Paulo recebeu uma referência especial.

Haddad ganhou a posição pela lealdade a Lula, demonstrada quando aceitou ser candidato em 2018, e pelo desempenho nas urnas neste ano, que garantiu uma desvantagem menor do PT para Jair Bolsonaro em São Paulo em relação a 2018.

Restava aplainar o terreno. Escrevi na semana passada que o auê do mercado diante das falas do provável ministro na Febraban era exacerbado. Passados alguns dias, parece ter havido uma acomodação das expectativas diante da evidência de que a escolha de Lula deverá recair mesmo sobre o companheiro de partido.

Um bom caminho para continuar a amortecer a reação dos agentes econômicos seria apresentar o resto da equipe econômica e desvendar a engenharia fiscal com que o futuro governo pretende substituir o teto já demolido.

As costuras com os militares se mostraram ainda mais prudentes, uma surpresa positiva. Ao tirar de casa o ex-ministro, ex-político e ex-ministro do TCU José Múcio, Lula buscou um nome que passou ao largo do radar e que agrada pelo perfil “jeitoso”, adjetivo que o acompanha desde os anos 1990, quando o conheci na cobertura do Congresso.

Necessário, uma vez que a chama golpista ainda arde em setores das Forças Armadas. Um sinal de que o nome será bem-vindo foi a reação positiva do vicepresidente Hamilton Mourão, que nas últimas semanas vinha emitindo mensagens dúbias ao exortar o caráter “democrático” de manifestações francamente golpistas dos apoiadores de Bolsonaro.

Contribui para desanuviar o céu das ameaças golpistas o fato de a farsa da fraude nas urnas ir caindo por terra à medida que o entorno do próprio Bolsonaro se cansa. Prova maior foi o rolê do filho Zero Três, Eduardo Bolsonaro, mais preocupado em curtir a Copa no Catar e em fazer publicidade de produto fitness nas redes sociais que em dar guarida aos planos ainda obscuros do pai, que segue na patética posição de não governar o país e de investir numa aura de imprevisibilidade que ao final dará em nada.

Resta agora que a PEC da Transição entre nos trilhos. Depois de uma gestação longa, o texto inicial foi apresentado, mas já se sabe que ele terá de ser negociado para que passe, sobretudo no Senado. Os seguidos acenos de Lula a Arthur Lira (PP) são meio caminho andado para limpar o terreno na Câmara.

Essa negociação significará o primeiro cavalo de pau deLulanodiscursodecampanha,quandopregavaanecessidade de apear Lira e acabar com o orçamento secreto. Mas, diante da barreira orçamentária posta à principal promessa do petista — manter os R$ 600 do auxílio que voltará a chamar Bolsa Família —, era uma escolha a ser feita de chofre e com pragmatismo.

LulaaindacontacomumamãozinhadoSupremopara mitigar o poder do orçamento secreto. Assim, não fica com o ônus de se desgastar com Lira e de começar o governo emparedado por um novo Eduardo Cunha no Legislativo e por um bolsonarismo golpista nas ruas. Fugir de começar o governo como Dilma Rousseff terminou é, neste momento, a coisa inteligente a fazer.

Fugir de começar o governo como Dilma Rousseff terminou é, neste momento, a coisa inteligente a fazer

Opinião Do Globo

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2022-11-30T08:00:00.0000000Z

2022-11-30T08:00:00.0000000Z

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