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ESPERA DE UMA DÉCADA

Iaserj foi demolido para dar lugar a novo Inca, mas projeto empacou

GERALDO RIBEIRO geraldo.ribeiro@extra.inf.br

Uma imensa área vazia na Praça da Cruz Vermelha, no Centro, no limite coma Avenida Henrique Valadares e as ruas Conselheiro Josino e Washington Luís, chama atenção de quem passa. O terreno cedido pelo estado à União foi ocupado durante anos pelo Hospital Central do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (Iaserj), demolido no fim de 2012 para dar lugar ao novo complexo do vizinho Instituto Nacional do Câncer (Inca). O prédio, que seria construído a um custo de R$ 500 milhões, em valores da época, iria abrigar um centro de pesquisas e concentrar atividades distribuídas por 18 unidades do instituto na cidade. Passados dez anos nada foi feito, e a população local, que perdeu um hospital e não ganhou outro, convive com os transtornos proporcionados por um imenso espaço abandonado. Um deles éa insegurança, que acaba contaminando as redondezas.

— Tinha um hospital ali que era maravilhoso, atendia não só a população do bairro como outras pessoas. Eu mesma fazia tratamento lá e fui transferida para o Hospital dos Servidores (na Saúde), o que dificultou para mim, porque é mais longe de casa e sem muita opção de transporte público. Ficou um terreno vazio que agente morre de medo de invadirem e transformarem em favela. Só o trecho da Rua Conselheiro Josino virando cracolândia já é um transtorno muito grande — reclama Isis Viana, de 36 anos, que se sente duplamente prejudicada pelo abandono: como moradora da região e como expaciente da antiga unidade do Iaserj.

A área demais de 14 mil metros quadrados ocupa praticamente todo o quarteirão a ola dodo prédio-se dedo Inca. Depois de muitas queixas, o terreno, que estava apenas cercado por tapumes, foi murado. O mato chegou a ser cortado, mas já voltou acrescer. O abandono acaba atraindo população de rua e usuários de crack, que tomaram conta das calçadas das ruas Conselheiro J os ino e Washington Luís. Moradores se queixam da insegurança e do aumento donúm erode assaltos.Isiscon touque já foi atacada por um ladrão armado na Conselheiro Josino.

SEM PRAZO PARA RETOMADA

A Polícia Militar informou que o 5º BPM (Praça da Harmonia) distribui o policiamento ostensivo tendo como foco principal a prevenção de práticas delituosas. Em nota, a corporação acrescenta: “é preciso lembrar que, diante de uma questão social e de saúde pública de tamanha complexidade, torna-se necessário o envolvimento de um conjunto de atores, como órgãos de diferentes esferas da administração pública nas áreas social e de saúde, lideranças comunitárias e instituições da sociedade civil organizada.”

A Secretaria municipal de Assistência Social, por sua vez, garante que realiza abordagens diárias na Praça da Cruz Vermelha e no seu entorno, ofertando serviços assistenciais. O órgão acrescenta que mantém também uma equipe permanente na praça, onde são realizados atendimentos, encaminhamentos e acolhimentos. A pasta contabilizou, entre março e agosto deste ano, a realização de 1.067 atendimentos, 252 acolhimentos e 1.014 encaminhamentos.

Por acordo, o espaço foi cedido pelo estado, masa Secretaria de Saúde afirma“que o terreno e a obra não pertencem à gestão estadual”. Já o Inca assegura que não abandonou o projeto de construir um campus naquele terreno. Sobre as reclamações dos moradores, informa que realiza ações de manutenção do local e cita a construção do muro de proteção, a iluminação do perímetro e a limpeza da área. “É importante ressaltar ainda que o terreno possui vigilância patrimonial, como extensão do prédio sede do Instituto, localizado na Praça Cruz Vermelha, no número 23”, informa a assessoria, em nota.

— Eles dizem que ainda vão fazer a ampliação, mas não fazem nada. Efica aquela área abandonada que só traz transtornos. Atrai bichos, moradores de rua e usuários de crack. Tudo isso contribui para tornar aquela região ainda mais insegura — reclama Berenaldo Lopes, presidente da Associação de Moradores e Amigos do Centro Residencial, região que inclui o Bairro de Fátima e a Cruz Vermelha.

Chamado de “Inca do futuro”, o projeto do campus da Cruz Vermelha pretende concentrar num mesmo endereço todas as unidades de saúde e pesquisa do instituto que hoje estão espalhadas por prédios em Vila Isabel, no Santo Cristo e no Centro. A intenção, desde o início, é reunir num mesmo endereço as áreas de pesquisa, assistência, ensino, prevenção, vigilância e detecção precoce.

Em 2015, o instituto havia informado ao GLOBO que um edital de licitação para a contratação da empresa que daria continuidade às obras estava em fase de elaboração eque, naquele mesmo mesmo ano, havia assinado um contrato emergencial, com prazo de 90 dias, para um trabalho de escoramento do solo, afim de evitar desmoronamento. Só o escoramentos ai udo plano das intenções. O Inca afirma que estás e empenhando na retomada da construção do campus do Centro eque“está na fase de instrução do processo de contratação da atualização dos projetos básico e executivo em virtude de alterações nas normas e legislações pertinentes ao empreendimento”. Entretanto, não deu prazo para a retomada das obras.

Enquanto as obras não saem do plano das ideias, pacientes como Solange Sangenito, de 60 anos, se queixam da sobrecarga das unidades do Inca. Lutando contra um câncer no pulmão desde 2018, ela diz que a falta de vagas no instituto faz com que os doentes sejam direcionados para outras unidades, inclusive instituições que não são federais.

—Conhecemos bema necessidade de uma ampliação na rede hospitalar oncológica. Muitos pacientes estão morrendo por falta de atendimento—disse Solange, que faz tratamentono Hospital Universitário Pedro Ernesto, doestado, por falta deva gano Inca, referência no tratamento da doença—Ocertoer ao único hospital oncológicos ero Inca, onde estão os melhores médicos. É lá, por exemplo, o lugar adequado para sermos submetidos a exames mais minuciosos, como o Pet-ct (diagnóstico por imagem para detecção do câncer). Na rede privada, essa análise não sai por menos de R$ 13 mil.

‘UM GRANDE DESSERVIÇO’

Leonardo Murad, presidente da Associação de Funcionários do Inca (Afinca), lamenta a demolição do hospital do Iaserj sem que em seu lugar tenha sido feita a ampliação do instituto. Na sua opinião, é um desserviço para a população deixar aquele terreno tão grande vazio:

— Já se passou tanto tempo e só restou um terreno vazio. Isso é muito ruim. Não só pela questão do Inca, que não construiu o seu campus, mas também pelo Iaserj, que atendia milhares de pacientes ali. Foi um grande desserviço para a população. Esperamos que o projeto de ampliação do Inca, que é bom, saia do papel. O que eu percebo é que cercaram o espaço para evitar invasões, mas tem um custo de manutenção.

A partir da demolição do Hospital Central do Iaserj, que tinha cerca de 400 leitos, os atendimentos ambulatoriais foram transferidos para a unidade do Maracanã. Margareth de Oliveira Medeiros, moradora do Jacaré, desde 2018 paciente da unidade, junto com os filhos, não tem queixas do atendimento, mas percebeu que a dificuldade para marcação de consultas por pacientes novos aumentou, por conta do crescimento da demanda:

—Vem gente de tudoquan toé parte do Rio, e são distribuídas cem senhas por dia. O atendimento é bom, mas poderia haver mais médicos.

“Fica aquela área abandonada que só traz transtornos. Atrai bichos, moradores de rua e usuários de _ crack”

Berenaldo Lopes, líder comunitário

“O certo era o único hospital oncológico ser o Inca, onde estão os melhores médicos” _

Solange Sangenito, paciente

Rio

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