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PROTEÇÃO SOB PRESSÃO

Projetos de lei ameaçam integridade de unidades de conservação do país

LUCAS ALTINO lucas.altino@oglobo.com.br

As pressões sobre as unidades de conservação brasileiras, em tentativas de redução das áreas protegidas para permitir a abertura de estradas ou impedir a desapropriação de grandes fazendas, nunca foram tão grandes quanto no atual governo, alertam especialistas. Nos últimos quatro anos, duas mudanças de limites de parques federais foram aprovadas. Outros 19 projetos de lei tramitam no Congresso Nacional.

—Em 2019 foi um ataque. Eu ouvi parlamentares falando que nunca o momento foi tão favorável quanto agora — afirma Angela Kuczach, diretora da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação. —Alguns projetos estavam parados, mas ressuscitaram nessa legislatura. A pressão sempre existiu, porém é muito maior nos últimos anos. Temos um Congresso muito voltado a pautas do agronegócio e a postura do Executivo federal de “passar a boiada”.

O levantamento feito pela rede mostra que há 12 projetos de lei na Câmara: um do Executivo e os demais de deputados alinhados à bancada ruralista, especialmente do PP e do PSD. Outros sete projetos estão no Senado. Entre as unidades que seriam afetadas, estão o Parque da Chapada dos Veadeiros, Parque Nacional do Iguaçu, Parque de São Joaquim e o Parque dos Lençóis Maranhenses.

As propostas visam, na maioria dos casos, às alterações dos limites, pela elaboração de um novo traçado, a permissão de novas atividades ou a recategorização do parque. Um projeto do deputado federal Vermelho (PSD-PR) pretende transformar o Parque Nacional do Iguaçu em uma “Unidade de Conservação denominada Estrada-Parque” para permitir a construção da Estrada-Parque Caminho do Colono no interior da área. A proposta já fazia parte de um projeto anterior, de 2013, hoje no Senado.

DUAS MUDANÇAS

No mês passado, o Jair presidente Bolsonaro sancionou duas leis que mudam limites de unidades federais. Primeiro, foi aprovada a redução de aproximadamente 40% da Floresta Nacional de Brasília, uma iniciativa da ex-deputada federal Flavia Arruda (PL), que foi ministra do atual governo e hoje concorre ao Senado no Distrito Federal.

— Uma parte da redução foi para retirar bairros consolidados de dentro da unidade. Mas outra parte era área de floresta, que entrou sem nenhuma medida de compensação. Foi um processo bastante arbitrário — lamentou Kuczach. —Além de perda de biodiversidade do Cerrado, a floresta é essencial para o regime de chuvas de Brasília, pela recarga de água que vai abastecer a cidade e proteção das nascentes e bacias. Se aumentar o desmatamento na região, as consequências serão imediatas.

Em 21 de setembro, foi sancionada a lei que muda os limites do Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Porém, Kuczach explica que foi respeitado o projeto técnico elaborado pelo ICMBio, que previa a retirada de áreas do Vale do Bonfim, em Petrópolis, e do bairro da Barreira, em Guapimirim, hoje ocupadas. Como compensação, houve a inclusão de áreas com vegetação nativa no outro lado do parque. Mas a unidade passou a ter uma área de 19.855 hectares. Antes, eram 20.024 hectares protegidos.

— Foi muito mais uma correção histórica. O bairro não deveria estar no parque. A gente aceita discutir redução de áreas. Pode acontecer, desde que os acordos sejam respeitados, assim como as medidas de compensação —ressalva Kuczah.

DESAPROPRIAÇÕES

Além dos projetos que tratam de unidades específicas, a especialista alerta para os chamados “projetos guarda-chuva”, que afetariam toda a rede de unidades de conservação. O principal exemplo é o projeto do deputado federal Pinheirinho (PP-MG) sobre a de desapropriação e indenização de propriedades privadas.

Tradicionalmente, é comum que uma área protegida contenha porções de propriedades privadas que precisam ser desapropriadas, após o decreto de transformação em unidade de conservação, mediante indenização. Esses processos, porém, costumam demorar muitos anos, inclusive devido a problemas de documentação das áreas. O deputado pretende dar um limite de até cinco anos para a efetivação das regularizações fundiárias. Caso contrário, as unidades deveriam ser extintas.

— Na prática, sobraria quase nenhuma unidade de conservação. Para um proprietário receber a indenização, precisa provar que a propriedade é dele, mas no Brasil a documentação de terra é muito irregular — explica a diretora da rede. — A gente sentou com a bancada do agro e formulou soluções, mas eles disseram que não estavam dispostos. Poderíamos, por exemplo, criar uma força-tarde para agilizar a regularização, ver o que precisa ser desburocratizado. Mas não parece haver vontade política para se resolver.

Com a atuação de entidades e de ambientalistas, quase não houve, até agora, projetos sancionados. Mas o volume de propostas contribuiu para o surgimento de projetos semelhantes nos estados, mudando unidades de conservação estaduais, além de incentivar que proprietários acionem a Justiça na tentativa de anular decretos de proteção ambiental.

Em Rondônia, uma decisão estadual havia decretado a redução de cerca de 200 mil hectares de duas unidades importantes (Resex Jaci-Paraná e PE Guajará-Mirim). A medida só foi revertida no Tribunal de Justiça.

— Nos últimos quatro anos vimos o desmatamento, as invasões e demais atividades legais crescerem de forma absurda nas áreas protegidas. Esses processos muitas vezes estão associados a algum projeto de lei no Congresso ou, no futuro, servem como argumento para justificar a redução das unidades — alerta Mariana Napolitano, gerente de ciências da WWF Brasil.

Brasil

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2022-10-03T07:00:00.0000000Z

2022-10-03T07:00:00.0000000Z

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