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O segundo turno entre os rivais ‘frenemies’

MAURICIO XAVIER mauricio.xavier@sp.oglobo.com.br

“Orei situado em área vizinha ao território é inimigo. O rei situado em área vizinha ao território do inimigo, mas separado por esse inimigo, é amigo”. Extraída do ancestral “Arthashastra”, tratado indiano de ciência política e estratégia militar escrito em sânscrito entre os séculos II e III A.C., a passagem ilustra a situação em que, por conveniência transitória, dois adversários viscerais unem forças contra um rival comum.

Não é de conhecimento público se Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Fernando Haddad (PT) leram o “Arthashastra”, mas os candidatos que avançaram ontem ao segundo turno da eleição ao governo paulista exemplificam cirurgicamente o axioma.

Afilhados políticos de Bolsonaro e Lula —dos quais foram ministros —, os dois protagonizaram até aqui uma campanha bem distinta da nacional. No plano federal, seus padrinhos foram o emblema da divisão ideológica do país.

No debate estadual, Tarcísio e Haddad pareciam dançar de rosto colado. Em uma madura relação “frenemy”, amálgama inglesa dos termos “friend” (amigo) e “enemy” (inimigo), repetiram a postura dos meses anteriores e optaram pela utilidade de se unirem para atacar o adversário comum: o governador Rodrigo Garcia (PSDB).

Cada um teve seu cálculo próprio nessa estratégia. No caso de Tarcísio, a avaliação era bem singela: Garcia trilhava a mesma vereda do eleitorado conservador. Em matemática básica, estancar o crescimento da popularidade do tucano representava mais votos seus na urna.

Para Haddad, o objetivo foi minar o candidato com menor rejeição —10%, contra 34% do petista e 21% do republicano, segundo pesquisa Ipec divulgada no sábado —, e portanto maior potencial de superálo no segundo turno. Além disso, o governador acumula aliados em cidades do interior paulista, justamente onde o PT tem historicamente mais dificuldade para angariar apoios.

Esse cenário será obviamente alterado a partir de hoje. Extraído o inimigo comum da equação, a polarização original volta a florescer. Nesta etapa, Tarcísio entra com uma vantagem confortável. Primeiro pelo próprio resultado nas urnas —42,3% a 35,7% —, surpreendente em relação ao que mostravam as pesquisas de intenção de voto. Depois, pela rejeição menor e por contar com o retrospecto favorável do voto conservador paulista.

Haddad tentará virar o jogo com a ajuda de Lula — ainda que a vitória no plano federal tenha sido apertada (48,3% a 43,2% sobre Bolsonaro).

No caso de Garcia, a derrota representa o fim do chamado “Tucanistão”, como ficou conhecida a longa dinastia do PSDB em São

Paulo. Foram praticamente 28 anos instalado no Palácio dos Bandeirantes, em uma série iniciada com Mário Covas, em 1995. De lá para cá, passaram Geraldo Alckmin, José Serra, Alberto Goldman e João Doria.

Durante décadas, o partido foi capitaneado em São Paulo pelas alas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e dos ex-governadores José Serra e Geraldo Alckmin. Principal nome no estado nos últimos anos, o ex-governador João Doria voltou à iniciativa privada após deixar o cargo no primeiro semestre e não se cacifar como candidato a presidente.

A sigla precisará se reinventar no maior centro econômico do país.

Política

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2022-10-03T07:00:00.0000000Z

2022-10-03T07:00:00.0000000Z

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