Infoglobo

Voto comum, resultado incomum

ALBERTO CARLOS ALMEIDA Alberto Carlos Almeida é cientista político

Oque levou ao resultado do primeiro turno foi um voto extremamente comum e trivial. Os dados são públicos: praticamente 80% dos que consideravam o governo Bolsonaro ruim e péssimo votaram no candidato do PT. Pode-se comparar o voto em 2022 ao de 1998, com o sinal trocado. Nesses dois anos, o presidente no cargo disputou a reeleição, o principal opositor foi Lula, conhecido por 100% doe leitorado nacional. Agrande diferençaé que, em 1998, o presidente que disputava a reeleição, Fenando Henrique, ostentava apenas 20% de ruim e péssimo na avaliação de seu governo, a opas soque, em 2022, essa proporção ficou um pouco acima de 45%. O sinal foi trocado: 1998 configurou-se como uma eleição de continuidade, e 2022 aindaépre dominante mente demudança. Um voto bastante trivial.

Bolsonaro mostrou força e fraqueza. Ump residente que disputa a reeleição levatr adicionalmente grande vantagem sobre seus adversários. Além deter ficado atrás de Lula, ele ficou próximo de ser derrotado em primeiro turno. Sua força tema ver comum percentual mais elevado que o previsto pelas pesquisas, e pela eleição de vários candidatos bolsonaristas, muitos deles ex-ministros com votações expressivas.

Lula permanece sendo o favorito. Como aprendemos coma eleição dos Estados Unidos em 2016, nem sempre o favorito vence. O que foi entediante de 2021 até agora promete muita emoção concentrada em quatro semanas. As pesquisas de opinião atestaram também que os mais pobres votaram em maior proporção para mudar, enquanto os menos pobres preferiram Bolso na roa Lula. Essa escolha condiz co moque foi o governo Bolsonaro. O presidente nunca nutriu a imagem de defensor dos mais fracos, daqueles que ocupam a base da pirâmide social, dos pobres.

As políticas públicas adotadas em seu governo se notabilizaram pela redução de recursos destinados à área social, além da ausência de proteção aos segmentos menos privilegiados, como indígenas, negros e mulheres. A propósito, seus discursos nunca enfatizaram a defesa de tais grupos. Foi exatamente por isso que o Auxílio Brasil concedido na reta final da eleição não teve o efeito esperado pelo presidente. Os mais pobres acharam estranho que alguém que não os tenha defendido por três anos os tenha, ao fim de seu mandato, contemplado com um generoso benefício social. O discurso e a prática dos anos anteriores não se encaixavam na decisão assistencialista da reta final de seu governo.

Resultado: mulheres, pobres, negros e todos os grupos que se veem como prejudicados em nossa sociedade deram vantagem eleitoral a Lula. Tratou-se de um voto previsível, ordinário. Porém o resultado foi extraordinário ao menos em dois aspectos.

A trajetória de Lula é algo raro no mundo: alguém que veio das classes mais pobres, sem sequer ter concluído o ensino fundamental, e se tornou mandatário máximo da nação, governando-a por oito anos e respeitando as regras do jogo democrático. Nelson Mandela tinha diploma universitário, era advogado. O polonês Lech Walesa não conseguiu ser reeleito e naufragou em 1% de votos na última eleição nacional que disputou. Evo Morales utilizou-se de várias manobras políticas para disputar uma segunda reeleição, que venceu, e foi deposto em sua tentativa de ser reeleito uma terceira vez.

Lula teve menos acesso aos meios educacionais formais do que Mandela, teve um incompará vel sucesso eleitoral quando visto aolado de Walesa e jamais se aventurou por caminhos constitucionais tortuosos como fez Morales. Lula é um caso muito raro no mundo, ainda mais agora que se prepara para cumprir seu terceiro mandato, obtido pelo voto, após ficar 580 dias preso.

A segunda razão que torna o resultado de 2022 extraordinário tem a ver com Bolsonaro. Independentemente das posições de cada um sobre políticas públicas, entre as quais se destaca a divergência econômica entre esquerda intervencionista e direita liberal, livrar-se dele significará economizar tempo, recursos e energia lutando contra quem ameaça continuamente a democracia. Todos os esforços para deter a sanha autoritária de Bolsonaro deixarão de existir e poderão ser dirigidos a uma agenda positiva, cujo principal objetivo será retomar o caminho do desenvolvimento. O Brasil precisa de paz e hoje, pelo visto, vê-la no horizonte é algo incomum e extraordinário.

O presidente nunca nutriu a imagem de defensor dos mais fracos, daqueles que ocupam a base da pirâmide social, dos pobres

Opinião

pt-br

2022-10-03T07:00:00.0000000Z

2022-10-03T07:00:00.0000000Z

https://infoglobo.pressreader.com/article/281625309188786

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.