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‘EU SOU REI DE FAZER MÚSICA EM 20 MINUTOS’

LÔ BORGES, QUE SE APRESENTA EM SHOWS NO RIO HOJE E AMANHÃ PARA COMEMORAR SEUS 70 ANOS E OS 50 DE CARREIRA, DIZ QUE COMPÔS ‘O SUFICIENTE PARA LANÇAR DISCOS ATÉ 2025’

SILVIO ESSINGER silvio.essinger@oglobo.com.br

“Tom Jobim me falou que eu ia chegar a uma idade na qual começaria a receber honrarias”, recorda-se o mineiro Lô Borges que, na juventude no Rio de Janeiro, foi bastante próximo do maestro soberano e, em 1994, teve o seu “Trem azul” (parceria com Ronaldo Bastos) gravado por Tom no seu derradeiro álbum, “Antonio Brasileiro”.

Agora aos 70 anos, completados em janeiro, Lô tem visto as honrarias chegarem aos borbotões — ainda mais depois que o “Clube da Esquina” (1972), seu disco de estreia, com Milton Nascimento, foi eleito o maior álbum brasileiro de todos os tempos em uma extensa votação conduzida pelo podcast Discoteca Básica.

— Só poderia ficar feliz, satisfeito e honrado. Mas minha visão dessas coisas não é essa, ter que eleger um melhor, ter um primeiro, segundo, terceiro colocado... O importante é competir! — minimiza o cantor e compositor, que aproveita hoje e amanhã para comemorar, com shows no Teatro Rival Refit, seus 70 anos e os 50 do “Clube da Esquina” e da própria carreira. — No Clube eu era o caçula. Hoje não mais, minha banda é toda de gente nova.

DOS MAIS CÉLEBRES DA MPB

Lô Borges promete fazer no Rival um passeio por sua obra autoral, que começa com o “Clube da Esquina” (em canções como “Tudo que você podia ser”, “Nuvem cigana”, “O trem azul” e “Um girassol da cor do seu cabelo”). Daí passa por seus LPs solo (o primeiro, “Lô Borges”, também conhecido como o “Disco do tênis”, foi lançado também em 1972) e por canções isoladas (como “Dois rios”, parceria com Nando Reis e Samuel Rosa, gravada pelo Skank) para chegar a “Chama viva” (2022), seu quarto disco produzido num curto período de quatro anos.

Lô lembra até hoje com orgulho da coragem de Milton ao peitar a diretoria da gravadora Odeon (onde começava a se destacar) para fazer um disco duplo com um garoto praticamente anônimo (“Nem em Belo Horizonte o pessoal me conhecia como artista!”). Sairia dali um dos mais célebres trabalhos colaborativos da história da música brasileira.

— Eu e o Milton fomos compositores, mas todo mundo contribuiu com dedicação e inspiração: os letristas, os músicos, os arranjadores, os maestros, os técnicos de som da gravadora, o fotógrafo (Cafi)... — diz o músico, cujo recente “Chama viva” contou com as participações de Milton e de outro companheiro do Clube, o cantor Beto Guedes. — Temse muito essa ideia de que o pessoal do Clube da Esquina é muito próximo até hoje, mas isso foi uma fase da vida, outras parcerias surgiram. Todo mundo se respeita até hoje, mas eu encontro muito pouco esse querido pessoal.

Ao gravar em 1970 “Para Lennon e McCartney” (canção de Lô com o irmão Márcio Borges e o poeta Fernando Brant), Milton foi o grande responsável por jogar o garoto de 17 anos na vida artística —no que ela tinha de glórias e também de contratempos num estranho Brasil.

— Estava na idade de me apresentar no Exército e coincidiu que era ditadura militar —ironiza Lô. —Eu já estava designado para uma companhia, ia ser recruta, quando o capitão me chamou numa sala, me jogou num sofá e falou: “Você não vai servir o Exército porque ele não quer pessoas da sua espécie! Seus comunistas de merda!” Achava que ia ser torturado. E ele disse uma outra coisa que jamais esqueci: “Vocês detestam a gente e isso é recíproco. Detestamos vocês artistas, poetas.”

Ainda com esse susto, chegou ao Rio para gravar “Clube da Esquina” com Milton.

— Tinha um jogo duro da minha mãe, que não queria me deixar ir morar no Rio. Ela dizia: “É ditadura militar, as pessoas estão sendo presas e mortas! Se você ficar morando lá com o Bituca

(Milton Nascimento) eoBeto Guedes isso vai ser considerado um aparelho subversivo!” Mas convenci o meu pai, que era mais tranquilo, e ele acabou convencendo a minha mãe —conta.

Os três moraram juntos numa casa em Piratininga (Região Oceânica de Niterói), lendária, recentemente lembrada em comercial de TV. Mas, até lá, passaram por “uma peregrinação”.

— De todo lugar que ia morar a gente era expulso pelos síndicos, moradores e porteiros. Meu cabelo tinha crescido. O Beto Guedes era cabeludo. E o Milton era cabeludo e negro, então rolava um racismo também. A gente era muito malvisto — diz. — O primeiro lugar foi no Jardim Botânico. Moramos no Leblon, em Copacabana, vários lugares, até que o bendito empresário do Milton conseguiu a casa em Piratininga. Foi uma maravilha, tudo que a gente queria: só o mar, a gente, os instrumentos e a liberdade. Nenhum síndico ou porteiro.

Nessa época, Lô Borges necessitava de bom astral, já que precisava muito compor.

— Quando o pessoal da gravadora ouviu “Um girassol da cor do seu cabelo”, “O trem azul” e “Paisagem na janela”, eles viram que o Milton não estava louco quando bancou um disco comigo. E aí me deram um contrato para fazer um disco solo, para sair no mesmo ano. Só que eu tinha gastado todas as minhas músicas com o “Clube” e pirei. Mas, como qualquer garoto de 19, 20 anos, aceitei o desafio, com aquela irresponsabilidade juvenil —conta.

Foram tempos de caos, em que Lô compunha uma música de manhã, o irmão Márcio ou Ronaldo Bastos (ou ele mesmo) escrevia a letra à tarde e o resultado era gravado à noite. Assim, ele fez o “Disco do tênis”, que só após anos recebeu o devido reconhecimento — elogiado por músicos como Alex Turner (dos Arctic Monkeys), o LP ganhou, 42 anos depois, um show de lançamento que rendeu DVD ao vivo de Lô, gravado no Circo Voador:

— Eu tinha um trauma com esse disco, por causa do sufoco que foi gravá-lo, só muitos anos depois comecei a gostar dele. Fiz um LP alternativo, psicodélico, caótico e doidão. É experimental, com poucas faixas palatáveis. Meu filho, quando tinha 10 anos, dizia que nesse disco fiz “coisas malucas, de lugares distantes”.

O RAP DE DJONGA

Depois do LP solo de 1972, Lô foi viver avida e compor com calma. Só lançaria o LP seguinte sete anos depois, “A Via Láctea”. E assim, ao longo dos anos 1980 e 90, fez tudo no seu tempo:

— Mas o meu tempo enlouqueceu no século XXI. De 2003 para cá, sobretudo agora nos últimos cinco anos, fiz muito mais do que no século XX. No isolamento da pandemia compus o suficiente para lançar discos até 2025. Eu sou rei de fazer música em 20 minutos. Se levar mais de meia hora para ficar pronta é porque eu não quero ela mais.

Recententemente, seu filhoLucas, hoje com 24 anos, o apresentou à música de Djonga, pela qual Lô se interessou:

— Curto à distância, não tem como me envolver muito, minha competência é outra. Mas gosto bastante de rap, meu filho me ensinou agostar.

SEGUNDO CADERNO

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2022-08-12T07:00:00.0000000Z

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