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MESTRES, INVENTORES E XAMÃS

NELSON MOTTA segundocaderno@oglobo.com.br

Um dos maiores poetas, críticos e editores do século XX, o americano Ezra Pound (1885-1972) foi também o mais polêmico e controverso. Grande figura do Modernismo e criador do Imagismo, um movimento que valorizava a precisão e economia de linguagem, viveu a maior parte da vida na Itália e depois da guerra foi acusado pelos EUA de traição, por seu apoio declarado ao fascismo de Mussolini. Foi preso, deportado e internado como louco por 12 anos num hospício em Washington, mas, mesmo sofrendo de brutal depressão, concluiu sua obra fundamental, o épico moderno “Os cantos ”. Após o escândalo provocado por sua premiação pela Biblioteca do Congresso americano, foi libertado por um movimento internacional de escritores e morreu em Veneza.

Pound revelou e editou T.S. Elliot, Hemingway e James Joyce, e é autor de um clássico fundamental de teoria literária, o “ABC da literatura”, traduzido por Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Mário Faustino. Um gigante, um monstro, foi amaldiçoado mas não cancelado. Hemingway disse que “para os poetas do século XX, não ser influenciado por Pound é atravessar uma grande nevasca e não sentir seu frio”. Sua famosa definição dos artistas em “inventores”, “mestres” e “diluidores” também pode ser aplicada à música brasileira, em que os primeiros seriam João Gilberto, Luiz Gonzaga, Jorge Benjor, que inventaram algo que não existia antes, os grandes mestres seriam Tom Jobim, Chico Buarque, Milton Nascimento, que respeitaram a tradição e a renovaram e desenvolveram com sua linguagem e seu estilo. Não são melhores ou piores, apenas diferentes e igualmente importantes. Os “diluidores” seriam os que vieram depois e realizaram um trabalho de qualidade, mas sem originalidade, diluindo-o ao longo do tempo.

Caetano Veloso é um caso raro de inventor e mestre.

Com coragem leonina sempre ousou buscar o novo, o desconhecido, o risco e o não visto, o radical, da fundação do tropicalismo e “Araçá azul” até o rock cru dos anos mais recentes. A audácia nas temáticas, na política e no comportamento, nos novos valores, é acompanhada por revoluções formais que mudaram para sempre o rumo de nossa música. Por ser sempre moderno, Caetano é eterno. E poucos contribuíram tanto para a preservação e continuidade de nossas melhores tradições musicais como ele, ao lado do grão-mestre Paulinho da Viola, que também faz 80 este ano.

Já GilbertoGil seria deu ma categoria quePoundnãop reviu nem conhecia. Ado artista que inventa sua língua, seu estilo e seu universo musical, que cultua e divulga as tradições, mas também desenvolve sua espiritualidade para se tornar uma espécie de xamã moderno, um pajé urbano, um babalaô digital que cura e consola pela arte, que serena e esclarece, que acalma amente e alegra o coração com suas músicas e sua poesia plena de amore sabedoria.

SEGUNDO CADERNO

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2022-08-12T07:00:00.0000000Z

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