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Ferramentas para a educação

Roberto Lent Neurocientista, professor emérito da UFRJ e pesquisador do Instituto D’Or

Tenho sido algo repetitivo em minhas manifestaçõespelaadoçãodeumprincípiobasilar para a educação: as intervenções pedagógicas tendem a ser mais eficazes quando são baseadas em evidências científicas. Agora que estamos diante de mudanças de governo e representações parlamentares no país e nos estados, essa ideia se torna ainda mais relevante. Evidências científicas para a educação surgem da pesquisa, e podem ser de dois tipos principais: retrospectivas ou prospectivas. Ambas se complementam, e podem contribuir muito para políticas educacionais de maior eficácia.

Evidências retrospectivas, então, são obtidas por avaliações de eficácia do ensino e sucesso na aprendizagem resultantes das políticas aplicadas em escolas, municípios, estados ou países. A avaliação PISA (sigla em inglês do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes ), por exemplo, avalia acada 3 anos o desempenho de alunos em ciência, matemática e leitura, ao fim do ensino fundamental. O resultado permite ranquear os 70 países avaliados eé muito utilizado par abalizar o sucesso( ou fracasso ...) das políticas nacionais de educação. O problema das evidências retrospectiva sé que elas são feitas após um tempo de aplicação das intervenções educacionais, e se as mesmas não deram certo, perdemos esse tempo precioso...

As evidências prospectivas, por outro lado, utilizam dados de pesquisa translacional para propor, testar, e depois aplicar intervenções pedagógicas inovadoras. O formato é parecido coma pesquisa em saúde—os pesquisadores tentam compreender os fundamentos biológicos da memória, por exemplo, para avaliar se o sono e as emoções impactam a memorização do dia. Seguem-se sugestões de regulação do tempo de sono em crianças e adolescentes para otimizar a aprendizagem, ou a associação de conteúdos pedagógicos com estímulos artísticos e afetivos para aumentar a compreensão e a memorização. Quando as evidências da pesquisa prospectiva se tornam numerosas e robustas, a implementação de políticas educacionais adquire baixo risco de insucesso. Economizamos anos!

Pois bem. Lendo uma reportagem publicada recentemente na revista Nature, deparei-me com a iniciativa virtuosa de uma fundação britânica sem fins lucrativos, que desenvolveu uma plataforma digital de intervenções educacionais baseadas em evidências. Trata-se da Fundação de Doação para Educação (tradução livre de Education Endowment Foundation), que desenvolveu um projeto com nome curioso: Caixa de Ferramentas para o Ensino e a Aprendizagem. Os técnicos da fundação fazem revisões apuradas da bibliografia científica sobre alternativas de intervenção pedagógica, avaliam os custos de cada uma delas, e criam uma nota bem objetiva para a sua eficácia. Os resultados são então disponibilizados na internet.

Algumas intervenções obtiveram notas altas de eficácia no desempenho dos alunos, com baixo custo e evidências científicas numerosas e robustas. É o caso de ensinar o aluno a compreender a si próprio (metacognição) e regular seu comportamento (autorregulação). Também funciona bem estimular as interações verbais entre os alunos, e fomentar o engajamento dos pais na aprendizagem dos filhos. Sabe as piores? Organizar as crianças em classe por nível de desempenho: os melhores em um grupo, os médios em outro, os que aprendem menos em outro... Também a repetência foi condenada: alto custo e eficácia zero. E, surpreendentemente, também não funcionou bem a redução da relação professor-aluno...

Enfim, foram avaliadas 30 intervenções pedagógicas, e a plataforma oferece, além dos dados quantitativos (custo, evidências e eficácia), explicações mais detalhadas de grande utilidade para professores e famílias. Já é tempo de superar as propostas intuitivas e “mágicas” para educar nossas crianças, e passar a utilizar intervenções pedagógicas e políticas educacionais baseadas na ciência. Ciência melhora a educação.

É tempo de superar as propostas intuitivas para a educação, e passar a utilizar intervenções baseadas na ciência

SAÚDE

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2022-08-12T07:00:00.0000000Z

2022-08-12T07:00:00.0000000Z

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