Infoglobo

Agência da ONU se alia a petrolíferas na Amazônia

Organização de desenvolvimento sustentável faz parceria com empresas poluidoras para gerar crescimento em países pobres e de renda média, mas muitas vezes indo contra os interesses das comunidades que deveria ajudar

SARAH HURTES JULIE TURKEWITZ Do New York Times RESGUARDO BUENAVISTA, COLÔMBIA

Nas bordas da Amazônia colombiana, em uma aldeia indígena cercada por plataformas de petróleo, o povo siona tinha um dilema. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) acabara de anunciar um pacote de ajuda de cerca de R$ 10 milhões. Para a aldeia, sem água encanada e com serviço instável de luz, o dinheiro significava comida e oportunidade.

Mas o programa de ajuda fazia parte de uma parceria entre a agência da ONU e a multinacional do petróleo GeoPark. A empresa tem contratos para explorar poços perto dareservasiona,incluindoum em suas terras ancestrais. Para o povo, explorar petróleo na reserva Buenavista equivale a drenar o sangue da terra.

A colaboração exemplifica como uma das maiores organizações de desenvolvimento sustentável do mundo faz parcerias com poluidores, incluindo atores que às vezes trabalham contra os interesses das comunidades que a agência deveria ajudar.

Do México ao Cazaquistão, as parcerias são parte de uma estratégia que trata as petrolíferas não como vilãs ambientais, mas grandes empregadoras que podem levar luz, água potável e treinamento profissional a áreas distantes, gerando crescimento em países pobres e de renda média.

Mas documentos e entrevistas com funcionários atuais e antigos mostram que, em paralelo às parcerias com petrolíferas, a ONU também reprimiu a oposição local à exploração, realizou análises de negócios para a indústria e trabalhou para tornar mais fácil para as empresas continuarem operando em áreas sensíveis.

O Pnud na Colômbia, em particular, trabalhou com o governo e a indústria petrolífera para compilar dossiês sobre opositores. Não há indícios de que esses dossiês foram usados para atacar alguém, mas, em um paí sonde ativistas ambientaissão mortos em uma taxa maior do que em qualquer outro lugar do mundo, as pessoas se sentem sob ameaça.

O Pnud disse apoiar uma transição para a energia limpa e não incentivara exploração do petróleo. Mas Achim Steiner, chefe da agência, disse quesuamissãoét iraras pessoas da pobreza, equeis so muitas vezess ignifica trabalhar em países que dependem de carvão, petróleo e gás.

— Temos de começar onde as economias estão hoje —disse Steiner . —Não vejo contradições, mas há uma tensão.

Além disso, há uma pressão para arrecadar fundos. Destes, 3% a 10% são doações. Autoridades, apoiadas por auditorias da própria agência, dizem que isso pressiona os funcionários de desenvolvimento a encontrar doadores nos países designados, mesmo quando trabalham contra os interesses da agência. E-mails mostram que funcionários se irritaram por ter de limpar a barra das empresas mais sujas do mundo – um processo apelidado de “lavagem azul”, devido à cor característica da ONU.

Como parte do orçamento de R$ 40 bilhões da agência, o dinheiro do setor de energia é uma ninharia: cerca de R$ 30,5 milhões por ano, segundo dados fornecidos pelo Pnud. Mas localmente esse dinheiro pode ter efeitos descomunais.

EFEITOS NA COLÔMBIA

Em nenhum lugar isso é mais sentido do que na Colômbia, onde petrolíferas, governo, grupos armados e ambientalistas se enfrentam pelo futuro da Amazônia. O desmatamento atingi uníveis recordes.

Até o ano passado, o povo siona via a agência como aliada. Então veio a parceria coma GeoPark. Mario ErazoY ai guaje, um líder comunitário eexgo vernador da reserva de B uenavista, suspeitava que o programaera uma tentativa da petrolífera para cooptara aldeia.

Os siona de Buenavista vivem em casas de madeira na divisa com o Equador na Amazônia. A região é palco de conflitos há gerações, e o povo vê as petrolíferas como a fonte de seus problemas, atraindo tanto rebeldes de esquerda, que atacaram os oleodutos da área, quanto soldados que são enviados para protegera infraestrutura.Avio lênciaétan taque um dos mais altos tribunais do país classificou os siona como em “risco de extermínio”.

A ONU anunciou sua parceria coma GeoPark em um momento de controvérsia. A empresa já era alvo de uma ação judicial por derramamento de óleo na região. Então, uma organização local acusou publicamente a GeoPark de contratar um grupo armado para ameaçar os opositores da exploração de petróleo. A empresa negou a alegação.

Erazo viu o acordo com a ONU como uma tática.

— Estavam limpando o nome —disse. —Quando vimos que a GeoPark dava dinheiro ao Pnud, percebemos que haviam feito o acordo do ano.

A GeoPark disse que não tem interesse em fazer perfurações na reserva dos siona e tomou medidas para desistir do arrendamento no território. Ela disse que sua parceria com a agência visava ajudar as comunidades que sofreram economicamente durante a pandemia. O dinheiro nunca foi destinado aos siona, disse.

Diferentemente de toda a ONU, a agência não recebe taxas de países-membros, e as doações vêm principalmente de governos e fundos globais. Ex-funcionários dizem que o relacionamento atual com grandes empresas de energia pode ser atribuído em parte a uma briga com um dos maiores benfeitores da agência, um fundo sem fins lucrativos chamado Global Environmental Facility, que recolhe dinheiro de governos para enfrentar grandes desafios planetários.

Em 2011, Monique Barbut, a principal executiva do fundo na época, convenceu-se de que o Pnud estava muito focado em arrecadar dinheiro, com pouco para mostrar.

— Essas pessoas não prestavam contas a ninguém — disse Barbut em entrevista.

Ela começou a cortar o financiamento. Os cortes coincidiram com os efeitos da crise financeira global e um aumento da demanda por ajuda ao desenvolvimento. Assim, o Pnud passou a apostar cada vez mais em arrecadar fundos. As empresas de energia estavam entre os alvos.

MUNDO

pt-br

2022-08-12T07:00:00.0000000Z

2022-08-12T07:00:00.0000000Z

https://infoglobo.pressreader.com/article/281968906465236

Infoglobo Conumicacao e Participacoes S.A.