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Programa para os informais

FABIO GIAMBIAGI oglobo.com.br/economia economia@oglobo.com.br

Vamos ao nosso décimo quarto encontro com ideias para implementar no próximo governo. O tema hoje é o que a imprensa batizou originalmente com vários nomes e que foi discutido no final de 2020, mas que inicialmente não chegou a ser efetivado. Contudo, é um assunto que deveria merecer a atenção do presidente escolhido nas eleições de outubro.

Vamos situar o tema. Embora o discurso político esteja cheio de críticas ao “Estado associado a privilégios”, estes existem e são muitos, mas é um equívoco julgar que o Brasil carece de programas sociais importantes. Vamos a eles, citando só os mais importantes:

i) os benefícios rurais, em sua grande maioria de um salário mínimo (SM), concedidos com regras contributivas que não chegam a pagar nem 20% do valor presente que recebem os beneficiários ao longo de 20 ou 30 anos e que afetam a nada menos que dez milhões de pessoas, com despesas de mais de 1,5% do PIB;

ii) os gastos da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) com cinco milhões de pessoas e custo de pouco menos de 1% do PIB;

iii) o Auxílio Brasil, turbinado pelo novo valor de R$ 600, que alcança um número da ordem de 20 milhões de famílias e valor de magnitude a caminho de ser de quase 1,5% do PIB em 2023; e

iv) o seguro-desemprego e outros programas financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), somando perto de 1% do PIB.

A isso deveria ser adicionado o componente de subsídio implícito a quem contribui para a aposentadoria do INSS com uma fração do salário por apenas 15 anos e se aposenta carregando o benefício integral durante 20 anos ou mais, mas essa seria uma conta mais complexa de expor neste espaço exíguo. O fato é que, mesmo sem considerar isso, estamos falando, apenas com esses programas, de quase 25% da despesa total do governo federal, apenas com programas de transferência de renda, explícitos ou indiretos, como no caso dos benefícios rurais, que tecnicamente não são assistenciais por serem, formalmente, previdenciários. É muito dinheiro!

Ao mesmo tempo, a pandemia trouxe ao debate no país a necessidade de repensar a relação que a sociedade tem com os trabalhadores informais, “invisíveis” aos olhos de muita gente, que são muitos e representam uma das faces cruéis de nossa realidade, com histórias de muito sacrifício e diversos exemplos de verdadeiros “guerreiros da sobrevivência”. É evidente que uma ajuda como a que foi prestada no auge da pandemia não pode se repetir. Um benefício de R$ 600 por mês a 65 milhões de pessoas dá o número espantoso de quase R$ 40 bilhões por mês, o que anualizado representa um valor proibitivo, fora de questão para a realidade brasileira.

Por outro lado, tanto nos meios acadêmicos, como na esfera política e na opinião pública em geral, foi se consolidando a percepção de que seria preciso “fazer alguma coisa” para dar amparo aos trabalhadores informais, particularmente numa situação em que o fenômeno se agravou muito pelos acontecimentos de 2020, apenas parcialmente revertidos até o momento.

Assim, foi se cristalizando um conjunto de ideias: a) faz sentido haver um programa que conceda recursos a esses trabalhadores; b) ele teria que ser fatalmente limitado, em função da realidade fiscal; c) seria importante que contasse com incentivos econômicos adequados, para estimular as pessoas a melhorarem a sua situação; d) deveria ser aprimorado com o passar do tempo, analogamente ao que aconteceu com o Bolsa Família; e e) é preciso minimizar a superposição com outros programas, notadamente o Auxílio Brasil.

O leitor que acompanha esta série de artigos pode fazer uma ponte entre isto e a ideia de extinção do abono salarial, defendida há algumas semanas. Por que não reduzir os recursos para o abono — e o Auxílio Brasil, com a queda do número de famílias necessitadas —e ampliar a verba para um novo programa para os trabalhadores informais? Requer emenda constitucional, mas seria uma utilização muito mais inteligente dos recursos públicos.

Mudança requer emenda constitucional, mas garantiria uma utilização muito mais inteligente dos recursos públicos

ECONOMIA

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2022-08-12T07:00:00.0000000Z

2022-08-12T07:00:00.0000000Z

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