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HORIZONTE AMPLIADO

Pesquisas mostram como cotas mudaram a cara do ensino superior

EDUARDO GRAÇA E BRUNO ALFANO brasil@oglobo.com.br SÃO PAULO E RIO

De 2001 a 2020 o número de pretos, pardos e indígenas matriculados em universidades públicas no Brasil passou de 31% para 52% do total de estudantes. E os de classe C, D e E de 19% para 52%. Os dados, compilados pelo Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas a partir de informações da Pnad Contínua do IBGE, são de alunos de todos os cursos universitários de instituições federais, estaduais e municipais, de 18 a 34 anos, e não incluem apenas os que entraram nas faculdades pela Lei Federal de Cotas e de outras políticas afirmativas. As informações foram apresentados ontem no evento “Dez anos da Lei de Cotas: resultados e desafios”, no Museu Afro-Brasil, no Parque Ibirapuera, em São Paulo.

—Nesse período, também houve um aumento de quase 6% do número de pessoas que passaram a se identificar como pretos, pardos e indígenas no país. Mas só isso não explica tamanha mudança da cara do ensino superior brasileiro. As cotas, como apontam vários estudos produzidos desde 2012, foram fundamentais para aumentar o interesse destas pessoas pela universidade — diz o sociólogo Luiz Augusto Campos, professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj e um dos 31 acadêmicos de sete universidades e oito grupos de pesquisa que criaram o consórcio no fim do ano passado.

O consórcio levantou 980 publicações sobre o tema no ensino superior brasileiro entre 2006 e 2021, com recorte racial ou social. Sobre as cotas raciais, 53% dos estudos avaliaram a política como “bastante positiva”, 18% como “levemente positiva” e 12% como negativas (com 16% sem identificação clara). Já em relação às cotas sociais, 43% foram “bastante positivas”, 19% “levemente positivas” e 12% negativas (25% sem identificação).

Uma das pesquisas destacadas no encontro, comandada pelas professoras de ciência política da UFMG Ana Paula Karruz e Flora de Paula Maia, comparou o desempenho médio de cotistas e não-cotistas no Enem de ingressantes em todos os cursos da universidade (entre o primeiro semestre de 2016 e o segundo semestre de 2020) com o desempenho acadêmico no mesmo período. O resultado mostra uma desvantagem significativa dos alunos cotistas pretos, pardos e indígenas de baixa renda em relação aos não-cotistas, mas que não se repete na média da nota semestral global de graduandos da UFMG.

— A desvantagem destes alunos (cotistas) nas etapas anteriores do ensino não influi no desempenho durante o curso superior. E não se trata de uma especificidade da UFMG. A UFBA está em processo final de pesquisa comparativa de desempenho e os resultados são semelhantes — diz Campos, coordenador do Observatório das Ciências Sociais e do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa da Uerj, pioneira na implantação de políticas afirmativas no ensino superior, uma década antes da implementação da Lei Federal de Cotas. Karruz explica que a diferença de desempenho é de apenas 5 pontos numa escalade0 a 100, em 85 dos 86 cursos analisados.

— A lição da UFMG é que não prestamos qualquer apoio às ideias de que haveria queda acadêmica. O foco éo oposto: há um desempenho superior, se relacionado diretamente às notas do Enem —afirmou.

Outro estudo, do sociólogo Jefferson Belarmino de Freitas e do cientista político João Feres Júnior, ambos da Uerj, concluído em maio, mostrou, por entrevistas, como as cotas na instituição ultrapassaram os benefícios individuais e aumentaram a disseminação de valores antirracistas.

Amparado por pareceres de diversos juristas e da ONG Conectas Direitos Humanos, o Consórcio defende que a Lei de Cotas, não pode ser suspensa se a revisão prevista para este ano for adiada para 2023.

— Há mais pessoas negras e pobres na universidade pública? Sim. Diferentes pesquisas mostram que houve uma grande diversificação racial e socioeconômica. Nossa avaliação é a de que o saldo é claramente positivo e que melhorias pontuais podem ser propostas e feitas a partir de dados e pesquisas —diz Campos.

A Lei das Cotas completa dez anos em 2022. Houve uma fase experimental de 2002 a 2007, quando a política chegou a 40 instituições de ensino superior públicas brasileiras. Entre 2008 e 2011, o país viveu uma fase em que o Reuni, programa de expansão das universidades federais, garantia incentivos para quem implementasse as cotas. Só em 2012 foi aprovada a lei federal.

CASO CATARINENSE

Um dos casos apresentados no encontro foi o da UFSC, instituição pública no estado mais branco do país. Em 2005, 8,5% dos estudantes eram negros, grupo que representava 11,7% da população do estado. Com a Lei de Cotas, o quadro foi mudando, e em 2020 os números se equipararam: 18,8%. No curso de Medicina, de 2008 a 2012, apenas 3% dos médicos formados eram negros. De 2017 a 2021 passou para 23%.

— Buscar essa igualdade entre estudantes e o números de pretos e pardos na população era o mínimo que queríamos fazer em uma universidade pública. Mas talvez foi possível conseguir este aumento neste período porque o número de beneficiados não passa de 20%, a grita é menor — afirma o professor Mauricio Tragtenberg, da UFSC.

Outra pesquisa mostrou o aumento do número de estudantes pretos, pardos e indígenas em todas as universidades federais, de 2012 a 2016, especialmente em cursos classificados como “de elite”, como Relações Internacionais, Medicina, Odontologia, Direito e Engenharia.

“Diferentes pesquisas mostram que houve uma grande diversificação racial e socioeconômica” _

Luiz Augusto Campos, Uerj

“A desvantagem destes alunos nas etapas anteriores do ensino não influi no desempenho durante o curso superior” _

Ana Paula Karruz, UFMG

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2022-08-12T07:00:00.0000000Z

2022-08-12T07:00:00.0000000Z

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