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CGU aponta indícios de irregularidades em ‘emendas PIX’

Relatórios indicam suspeitas de superfaturamento e falta de destinação de verba enviada por deputados a prefeituras

NATÁLIA PORTINARI natalia.portinari@oglobo.com.br BRASÍLIA

Na primeira vez que um órgão federal se debruça sobre as chamadas emendas “cheque em branco”, modalidade em que o dinheiro enviado por um parlamentar cai direto na conta de prefeituras, a Controladoria-Geral da União (CGU) apontou problemas como indícios de superfaturamento e de que parte dos recursos ficaram parados, sem qualquer destinação, o que provocou desvalorização por causa da inflação.

Esse tipo de emenda, criada em 2019 com apoio do governo de Jair Bolsonaro, é chamada de cheque em branco ou “pix orçamentário” porque funciona como uma espécie de doação. Basta ao parlamentar dizer para qual cidade o dinheiro deve ir, sem necessidade de apresentar um projeto ou obra específica. Assim, prefeitos podem gastar o recurso federal livremente, sem depender do aval de ministérios e ao largo da fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU), diferentemente do que acontece com outras modalidades de emendas.

Desde que foi criada, o uso desse tipo de emenda disparou, com R$ 620 milhões autorizados para pagamento em 2020, R$ 2 bilhões em 2021 e R$ 3,2 bilhões em 2022 até agora.

Ao analisar uma pequena amostra do que foi pago, a CGU detectou irregularidades em cerca de R$ 10 milhões enviados a dez municípios em 2020. Em Cachoeira do Piriá (PA), por exemplo, o órgão verificou que os R$ 2 milhões enviados foram usados para uma obra de recuperação de uma estrada vicinal, mas apontou restrições indevidas à competitividade do certame, com proibição da participação de consórcios na licitação e exigência excessiva de documentos, sem justificativa técnica. Na avaliação dos auditores, a prática pode implicar em direcionamento da seleção para uma empresa específica.

Foi apontado um sobrepreço de R$ 140 mil no valor contratado e R$ 169 mil pagos em um serviço de transporte que nunca foi executado pela empresa. Os cálculos de engenharia inflaram artificialmente o preço dos materiais, segundo a CGU.

O deputado federal Cristiano Vale (PP-PA), autor da emenda usada pela cidade, nega problemas na contratação. A prefeitura não respondeu ao GLOBO mas, à CGU, disse que a obra ocorreu quando Leonardo Dutra Vale, irmão de Cristiano, era prefeito da cidade.

— É muito barato. Eles recuperaram 28 quilômetros de estrada com R$ 2 milhões. Como a CGU fala em irregularidades em um certame assim? —disse Cristiano.

Leonardo disse que, devido à saída da prefeitura em 2021, não conseguiu apresentar ao governo documentos que responderiam, segundo ele, os questionamentos da CGU.

— Em 2021, eu não tinha como inserir esses dados. Ficamos sabendo dos pontos, conversamos com a prefeitura e acabamos de fazer a defesa.

A CGU constatou também que prefeituras deixaram de usar os recursos, que ficaram parados, sofrendo desvalorização devido à inflação. Em Belém, por exemplo, R$ 1,3 milhão repassado em 2020 só foi transferido para uma conta investimento sete meses depois. A demora na aplicação viola os princípios da eficiência administrativa e do interesse público, aponta a CGU. Procurada pelo GLOBO, a prefeitura de Belém disse que, devido à troca de gestão em 2021, não foi informada de que esse valor estava em caixa, por isso a demora.

LICITAÇÕES ANTERIORES

Em Belo Horizonte, auditoria constatou o mesmo problema. A prefeitura recebeu R$ 1,5 milhão em 2020, mas houve “grande demora” na execução dessa verba, e não foi definido até agora o destino de R$ 700 mil. À CGU, a administração municipal informou que parte dos recursos serão utilizados na área de infraestrutura.

Outra irregularidade apontada foi a utilização de recursos dessas emendas pela prefeitura de Marialva (PR) em licitações anteriores às transferências, o que não é permitido por lei, de acordo com a CGU. A legislação exige que seja feito pregão eletrônico, em que a fiscalização pela União é mais fácil, no entendimento dos órgãos de controle.

Além disso, os auditores afirmam que não foram devidamente apresentadas as referências de preço dos reservatórios de água e revestimento asfáltico comprados pelo município ou dos serviços de perfuração de poços, pintura e revitalização custeados com as emendas. Foram constatadas falhas de qualidade na execução dos serviços de pavimentação, e a CGU apontou que a prefeitura de Marialva nem sequer apresentou a prestação de contas referente a 2020.

Responsável pelo envio de R$ 500 mil à cidade, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), disse não ver irregularidade no uso do recurso:

— Penso que foram bem aplicados —disse ele.

A prefeitura de Marialva não retornou aos contatos.

Os relatórios da CGU com as auditorias foram publicados no mês passado. Após apontar irregularidades, a Controladoria-Geral da União tem como prática enviar às promotorias estaduais e federais suas conclusões para que sejam tomadas providências, quando necessário. O órgão não respondeu sobre quais foram as medidas tomadas nessas apurações específicas.

POLÍTICA

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2022-08-12T07:00:00.0000000Z

2022-08-12T07:00:00.0000000Z

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