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11 DE AGOSTO DE 2022

ATO INÉDITO PRÓ-DEMOCRACIA REÚNE ‘CAPITAL E TRABALHO’ EM RESPOSTA A ATAQUES DE BOLSONARO

GUILHERME CAETANO, SÉRGIO ROXO, IVAN MARTÍNEZ-VARGAS, ELISA MARTINS MALU MÕES E GUSTAVO SCHMITT politica@oglobo.com.br SÃO PAULO

Em reação aos reiterados ataques do presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral, diversos setores da sociedade se uniram neste 11 de agosto em defesa da democracia. O ato levou milhares de pessoas à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Centro da capital paulista. Realizado para a leitura de dois manifestos, um deles com um milhão de assinaturas, o evento reuniu de juristas a sindicalistas, de empresários a artistas, de acadêmicos a ativistas LGBTQIA+ e do movimento negro. “Hoje é um momento grandioso, talvez inédito, em que capital e trabalho se juntam em defesa da democracia”, discursou o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias. Sem citar a manifestação, multiplicada em diversas capitais, Bolsonaro comentou que a redução do preço do diesel foi o “ato importante em prol do Brasil” do dia de ontem. Os candidatos Lula (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), signatários da carta, manifestaram-se nas redes.

Numa data e local célebres, o ato de 11 de agosto de 2022 na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, no centro de São Paulo, entrou ontem para a história brasileira ao congregar o mais amplo movimento de defesa da democracia e a favor das eleições no país desde o fim da ditadura militar, nos anos 1980.

A manifestação reuniu, de forma inédita no período, variados setores, seja do ponto de vista econômico, social, ideológico, racial ou de gênero. Representantes das leis, do empresariado, do sindicalismo, das artes e da academia estiveram lado a lado sob as famosas arcadas da centenária instituição de ensino. A união de movimentos de esquerda a representantes do alto empresariado, costumeiramente de lados opostos do debate político, por exemplo, ilustrou o caráter de ineditismo do evento que marcou o lançamento de duas cartas preconizando as eleições livres e a democracia brasileira.

Declaradamente apartidário e defendendo o respeito ao resultado das eleições, o movimento evitou citar Jair Bolsonaro, mas foram os ataques do presidente ao Judiciário e ao processo eleitoral brasileiro, muitas vezes usando de mentiras como na exposição para embaixadores de dezenas de países há três semanas, que serviram como catalisador dos atos de ontem. Além da “SanFran”, como é chamada a Faculdade de Direito da USP, houve atos em todas as demais capitais.

Em vários momentos dos últimos anos — sobretudo desde os ataques de Bolsonaro às eleições e ao Judiciário em 7 de setembro do ano passado —, surgiram tentativas de aproximar diferentes campos ideológicos não extremistas, sem sucesso.

— Hoje é um momento grandioso, talvez inédito, em que capital e trabalho se juntam em defesa da democraSão cia. Estamos aqui celebrando com alegria o hino da democracia —resumiu o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, em discurso no histórico prédio.

Além da diversidade, o evento foi sucesso de público. Cerca de 1,4 mil convidados se apertaram no prédio da USP. Na rua, cerca de outras 7,6 mil pessoas, entre professores e advogados engravatados, estudantes do Ensino Médio, sindicalistas e ativistas LGBT se aglomeraram em frente a um telão sob frio e chuva fina na manhã paulistana para assistir aos discursos.

A maioria do público era identificado com a esquerda, mas entre os presentes estavam também, por exemplo, o ex-ministro Miguel Reale Júnior, um dos autores do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), e o empresário Horácio Lafer Piva, ex-presidente da Fiesp, entre outros.

Com a presença de várias entidades e movimentos de diferentes matizes, houve a preocupação de não politizar o ato. Ao fim da leitura dos dois no- vos textos pró-democracia, no entanto, um coro de “Fora Bolsonaro” foi ouvido no pátio da instituição e também no Largo São Francisco. Também houve gritos de “olê, olê, olá, Lula” em outro momento.

O primeiro texto lido, intitulado “Em defesa da democracia e da Justiça”, reuniu 107 adesões institucionais e foi organizado pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, e pelo Comitê de Defesa da Democracia, um grupo de intelectuais e investidores. O segundo documento, a “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”, escrita por ex-alunos da instituição, já conta com um milhão assinaturas (leia a íntegra comentada das duas cartas na página 8).

O ato foi uma reedição da “Carta aos Brasileiros”, lida em agosto de 1977 pelo professor de Direito Goffredo Telles Junior, também no Largo Francisco. À época, a carta denunciava o autoritarismo e a ilegitimidade da ditadura. O evento começou no salão nobre da Faculdade de Direito e foi aberto pelo reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Júnior. Ele foi aplaudido de pé ao pregar contra as fake news e os ataques ao sistema eleitoral. A fala foi seguida por discursos de empresários, sindicalistas e acadêmicos. Ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga emocionou-se ao defender a luta pela democracia e pela liberdade. Ele ressaltou que o movimento reúne um “grupo tão diverso, que tantas vezes no passado lutou em polos opostos”, mas que hoje é unido pela democracia.

Também discursaram a presidente da CUT de São Paulo, Telma Aparecida Andrade Victor, a representante da Coalizão Negra por Direitos, Beatriz Lourenço, o advogado Oscar Vilhena Vieira, da Comissão Arns, a presidente da OAB-SP, Patricia Vanzolini, a socióloga Neca Setubal, e Miguel Torres, sindicalista representante da Força Nacional, entre outros. Em seguida, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias leu o manifesto.

Após o primeiro texto, o evento foi transferido para o pátio da faculdade, para a leitura do segundo documento. A carta da Faculdade de Direito foi dividida em quatro trechos, lidos por professoras e por um ex-ministro do Superior Tribunal Militar. As leituras foram feitas, segundo a sequência, por Eunice de Jesus Prudente, professora da Faculdade Zumbi dos Palmares; Maria Paula Dallari Bucci, professora da Faculdade de Direito da USP; Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, ex-ministro do STM e Ana Elisa Bechara, vice-diretora da Faculdade de Direito da USP.

Apósaleituradacarta,umabandeirado Brasil foi estendida no Largo São Franciscoenquantoosmanifestantescantavamo hino nacional. Ao final, a cantora Daniela Mercury fez uma pequena apresentação musical em uma das sacadas do prédio.

“Capital e trabalho se juntam em defesa da _ democracia”

José Carlos Dias,

ex-ministro da Justiça

“Enalteço a participação da mulher negra”

_

Merllin Souza, estudante pós-graduanda

“A sensação é de que andamos para trás”

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Daniela Mercury,

cantora

Juristas, empresários, sindicalistas, artistas e eleitores “comuns” se reuniram nas arcadas

“A sociedade está em estado de vigilância”

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Marina Silva,

ex-senadora e ex-ministra “É preciso fazer de tudo para preservar a _ democracia”

Arminio Fraga,

ex-presidente do BC

“É um dia histórico, estou emocionado”

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Alcides Amazonas,

motorista aposentado

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